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«A COC não tem independência nenhuma»

Eduardo Brito garante que não será deputado e que não vai precisar de qualquer “tacho” quando deixar a política. Ao contrário dos seus adversários, que acusa de estarem «a pensar exclusivamente nos lugares que podem vir a ocupar»

P – Quais os objectivos da sua candidatura?

R – Quero introduzir na política do PS distrital maior exigência e ambição perante o poder central, seja ele qual for. O distrito tem de estar acima de tudo, dos nossos interesses pessoais e dos cargos que ocupamos. Não podemos perder quando nos confrontamos com Viseu ou Castelo Branco, como se verifica todos os dias. Temos de ser ambiciosos, e através dessa ambição, devolver orgulho e confiança a quem vive na Guarda. Estou a terminar a minha volta pelo distrito e nota-se uma grande falta de confiança no futuro. Para contrariar isso é preciso um presidente da Federação que seja um líder, que incuta confiança e bata o pé quando for preciso. Não é um funcionário, nem um burocrata. Os problemas do distrito não se resolvem por levarmos 20 ou 30 autocarros a um comício. É preciso, nomeadamente, maior investimento público. A minha moção tem quatro áreas decisivas para afirmar o distrito: o turismo, os serviços públicos, a saúde e a educação. Não posso assistir a este definhar do distrito, onde se discutem problemas menores. Há um grupo de camaradas, que está por detrás da outra candidatura, que está a pensar exclusivamente nos lugares que podem vir a ocupar em vez de pensar, por exemplo, nos trabalhadores que estão para ser despedidos na Delphi ou no problema do despovoamento.

P – O que propõe de diferente em relação ao seu adversário?

R – Não conheço as ideias políticas de José Albano, tenho umas ideias vagas. A última que conheci, verdadeiramente extraordinária, é a criação de um roteiro turístico. Isto, tanto quanto sei, é competência das Câmaras e não dos partidos. O PS tem uma boa estrutura organizativa e não é preciso mexer muito. Bastará dar mais força e autonomia às concelhias. Contudo, o partido tem de saber do que fala e tem de preparar os assuntos. Proponho, por isso, um Gabinete de Estudos. O partido também tem de abrir-se à sociedade, o que espero conseguir através do Conselho Consultivo e dos plenários abertos aos simpatizantes. Esses são objectivos internos. Para o exterior, elegi quatro áreas fundamentais onde o nível de exigência do PS tem de ser diferente para tirarmos o distrito da situação difícil em que se encontra. O presidente da Federação não governa, não baixa impostos, nem a electricidade ou a água, mas pode e deve influenciar o poder.

P – O que faltou para haver uma lista de consenso?

R – Não há essa possibilidade porque as discordâncias são totais.

P – É dos que considera que Joaquim Valente teria conseguido o consenso?

R – Eventualmente. Acho que o nível de exigência política na Guarda tem que subir muito. A cidade tem que ter outra ambição, não pode ficar confinada a um estatuto e ao confronto que perde com Viseu e Castelo Branco. Tem, por exemplo, que liderar o turismo na Serra da Estrela e não pode viver de costas para essa realidade. A Guarda forte é absolutamente fundamental para fazer forte o distrito, pelo que não deve ter medo de criticar o poder quando este não é justo para com ela. Caso contrário vai continuar a perder. Apesar de terem sido criados todos os obstáculos para que a minha candidatura não chegasse ao fim, eu vou até ao fim, porque não conheço a palavra desistir. Também não me revejo na forma de fazer política de José Albano, pois parece que os lugares são a principal preocupação do distrito.

P – Quando fala em falta de ambição está a referir-se ao presidente da Câmara?

R – Não. Estou a falar num contexto geral. Recentemente, a Guarda perdeu um “call center” para Castelo Branco, mais uma vez, e sem luta, o que é duplamente grave. Por cá há esta ideia peregrina, e perigosa para um distrito do interior, de que os socialistas não podem criticar o Governo. Isso é mau e redondamente falso. O dia em que os cidadãos derem conta de que não temos essa coragem dão-nos um pontapé no rabo e substituem-nos.

P – Como vê o actual estado do PS no distrito?

R – Estou convencido que um líder forte, com um discurso mobilizador, atrevido e ambicioso dá confiança às bases. Esse é o primeiro papel do presidente da Federação, mais do que organizar jornais e boletins. Há bons quadros no distrito, falta é mobilizá-los e isso compete ao presidente da Federação, que é um líder e não um funcionário. Uma das coisas, entre outras, que me distingue de José Albano é que ele tem uma visão muito funcional do partido e do que deve ser o líder da Federação. Eu não. Eu sou um político e quero pôr-me no mesmo plano do Governo. A outra candidatura parece que tem uma moção muito funcional, aquela coisa de estar próxima do Rato. Ora, nestes 30 ou 40 anos, Lisboa não fez outra coisa senão controlar-nos e isso não pode ser.

P – Como vê o desempenho dos deputados eleitos no distrito da Guarda para a Assembleia da República (Pina Moura, Fernando Cabral e Rita Miguel)?

R – Gostaria que fosse melhor, mas globalmente é positivo. Foi até dos melhores mandatos de Fernando Cabral e Pina Moura, embora gostasse que fossem mais atrevidos e ambiciosos. Acho que o presidente da Federação e os deputados têm de pôr o lugar em risco várias vezes durante o ano – quando falo em risco é que o partido até pode querer substituí-los. Não pode é estar num certo estaticismo do género, “não falo porque senão posso zangar-me com o secretário-geral e ficar mal visto”. Esse tem sido o problema do distrito.

P – Não o preocupa que o cidadão comum não reconheça, nem se aperceba do papel destes deputados?

R – Muito. A culpa é, em parte, dos deputados. Eu não serei deputado, mas se for presidente da Federação diligenciarei com todos os presidentes de Câmara para que os nossos deputados possam receber as pessoas uma vez por mês.

P – Se perder, e considerando que não se recandidatará à Câmara de Seia, vai manter-se na política?

R – Sim, claramente. Em que termos e moldes, veremos no Congresso. Sou membro da Comissão Política Distrital por inerência, até 2009 tenho o meu cargo assegurado, depois se verá. Há várias formas de intervir e acho que a sociedade está sedenta de outras formas. Se os políticos não se cuidam e os partidos não passarem a ser organizações mais abertas, correm o risco de ficar a falar no deserto para os seus apaniguados. É sintomático que José Albano não queira debater os problemas na praça pública. Isso só se compreende de alguém que não está preparado, ou então tem a visão de que isto é um clube fechado.

P – Porque avançou sabendo de antemão que poderia ser uma luta perdida?

R – É uma atitude cívica, pois José Albano e o seu grupo de fiéis – que, presumo, são aqueles que querem ocupar o Governo Civil, a Segurança Social… – só estão a pensar neles e não nos problemas do distrito. De resto, há meio ano, o candidato disse que tinha uma lista de mil e tal apoiantes e que quem entrasse na corrida perdia. Isso condicionou muita gente, a começar pela Guarda. Eu sei que, se fosse possível garantir a alguns camaradas que ganhavam, eu não estaria aqui sozinho. Mas a democracia tem destas imprevisibilidades e isso entusiasma-me. Quando percebi que ninguém queria entrar, eu, porque acredito no distrito, decidi candidatar-me sem apoios, exclusivamente porque entendo que a candidatura à Federação é uma atitude solidária. Candidatei-me mesmo com terríveis condicionalismos – pensei que alguns deles não existissem –, como a decisão lamentável da COC (Comissão Organizadora do Congresso) de duplicar o número de delegados depois de ter dito outra coisa, o que nos vai impedir de concorrermos numa série de concelhos. Por muito que isto custe a Maria do Carmo Borges, a COC não tem independência nenhuma. Pouco mais é que a Comissão Política da candidatura de José Albano.

P – Acha mesmo que destas eleições vão depender cargos que já estão prometidos em organismos públicos?

R – Todos não, porque não há lugares para todos. Mas não há dúvida que o núcleo duro da candidatura de José Albano só pensa nisso, em saber quem vai para o Governo Civil, para a Segurança Social, para o IPJ ou para o CAE. Toda a gente me diz que o futuro Governador Civil é o Santinho Pacheco e, tanto quanto sei, ele aspira ao cargo. Eu não vou pedir “tacho” a ninguém quando sair da política, pois tenho vida para além disso. É uma ofensa a quem está desempregado ou tem problemas andarmos com estas coisas.

P – Propor a eleição dos candidatos a deputados em primárias significa que o modo como foram escolhidos até agora não é representativo dos interesses do partido na Guarda?

R –Temos de acabar com esta corrida ao “tacho”, os militantes não podem servir apenas para colar cartazes. Têm de dizer quem querem para deputados e admito que este princípio se vá estendendo a outros cargos electivos. Temos gente, naturais ou residentes, capaz de dar um bom deputado, audaz, ambicioso e que não esteja lá apenas para levantar o rabo e bater palmas. O único candidato portador de novidade e de mudança nesta campanha sou eu. O resto é mais do mesmo. Todas as ideias de José Albano, indiscutivelmente um jovem cheio de qualidades, e uma parte dos protagonistas da sua candidatura são mais do mesmo. É um enfeudamento ao poder central e só existem quando há poder, por isso dizem que têm uns amigos no Largo do Rato. É tudo folclore. Não combatamos nós e vamos ver o que nos acontece. Como é que a Guarda perde tanta coisa e os outros conseguem? Porque é que Viseu tem deputados naturais do distrito há 20 anos e a Guarda não consegue arranjar um? Se agora não for escolhida uma pessoa da Guarda, isso significa que o PS, a nível central, não tem consideração por nós. Só cá estamos para votar e mais nada.

P – E porquê só agora essa sugestão?

R – O ciclo terminou e o que está para trás tem enormes fragilidades. Se olharmos para o quadro do PS, muito mais de metade dos militantes não paga quotas. Isto é sintomático.

P – Por que é que a sua candidatura não conseguiu reunir apoios suficientes?

R – Eu não andei a coleccionar apoios. A candidatura adversária avisou: “Ninguém se meta, porque quem se meter perde”. Ele avançou muito antes de Fernando Cabral ter dito se seria candidato ou não. Começou mais cedo que o Barack Obama. Isto é inadmissível num distrito que tem tantos problemas. E reuniram aquelas assinaturas todas… Conheço muitos militantes que contam que, na altura, lhes disseram que não havia mais candidatos. Toda a gente sabia que José Igreja tinha dito, há muito tempo, que era candidato. Ele foi um dos condicionados, mas houve mais. Eu não me podia resignar. O que nos diminui é não combater, é comermos o que não gostamos. E eu sei que na outra candidatura há imensos camaradas que não gostam, mas que são obrigados a comer e eu não faço isso. Não conheço a palavra desistência nestes meus 30 anos de luta política. Quando não gostei de Mário Soares, apoiei Guterres, depois apoiei Sócrates, como hoje apoio. De resto, acho que estou a prestar um elevado serviço ao PS para que isto tenha alguma democracia. Há vitórias e derrotas que só podem ser avaliadas uns tempos depois de ocorrerem.

P – Que opinião tem de José Albano?

R – Acho que é um bom militante, um bom quadro do PS e uma boa pessoa.

P – Será um bom presidente da Federação?

R – Tenho as minhas dúvidas, porque me parece que quer nivelar as coisas por uma lógica de aparelho. Mas se vier a ganhar terá o benefício da dúvida, como qualquer pessoa. Daquilo que conheço das suas ideias, dos projectos, do estilo, da forma de actuar, estou seguro que não é a receita que o distrito precisa.

P – Está satisfeito com as verbas PIDDAC atribuídas ao distrito?

R – Está na linha do que vou dizendo: somos pouco ambiciosos e pouco exigentes. Mais uma vez, o distrito perde em relação a Castelo Branco e Viseu.

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