Finalmente chegou a tão esperada e desejada chuva. Quem respirou de alívio foi o Ministro da Agricultura. Afinal não vai haver seca extrema. A água que caiu foi o suficiente para repor o nível mínimo das barragens e assim ficou assegurada a rega e consequentemente a colheita. Estão criadas as condições para uma boa produção sem recurso a subsídios ou seguros por perdas e danos. Por outro lado o Ministro da Administração Interna já não tem que se preocupar com o plano de combate a incêndios florestais, podendo focar toda a atenção nas reivindicações dos bombeiros. Ainda bem.
Por outro lado a chuva dá à nossa vida um ar melancólico e poético. Faz-me voltar aos tempos de juventude em que não podia sair e, por detrás das janelas embaciadas, via e ouvia os pingos a bater no vidro. Nessas alturas o tempo demorava a passar.
Não havia “novas tecnologias da informação” ou jogos de computador e essas tardes eram passadas a jogar monopólio ou a sonhar. Adorava o cheiro à terra molhada.
Mais tarde comecei a encarar a chuva como uma contrariedade. Detestava chapéus-de-chuva, dobravam-se com o vento, escorriam água para os ombros e o pior “obrigavam-nos” a ser simpático com alguém dividindo a área coberta, que era sempre demasiado curta. Depois vinham os buracos na estrada que nos molhavam, para gáudio do condutor. Mais tarde as irritantes escovas que, de forma indolente, iam dando visibilidade ao pára-brisas. A minha relação com a chuva sempre foi de amor e ódio.
Independentemente da minha relação filosófica com os pingos, o tema fez unir 61 cientistas nacionais. As conclusões não foram surpreendentes e afirmam que até ao final do século o nosso país vai debater-se com fenómenos extremos, desde chuvas intensas a períodos de seca. Afirma-se ainda que ao longo dos últimos 20 anos choveu pouco no território nacional, contudo, no ano 2000 registaram-se as maiores precipitações dos últimos trinta anos. Concluem então que Portugal tem elevado risco de cheias até ao fim do século XXI
Ao ler este estudo cheguei à conclusão que a chuva preocupa muita gente, ultrapassando aquela dualidade de amor e ódio.
Estamos sedentos, que chova a cântaros. Mas isso não basta se por outro lado não soubermos aproveitar os nossos recursos e mantivermos esta ideia insana de que podemos continuar a desperdiçar água a nosso belo prazer.
Voltaire em vez de Sócrates
Sócrates e Platão ficam para a próxima. Desta vez fico-me por Voltaire que afirmava: “nem sempre podemos agradar, mas podemos falar numa linguagem que agrade”.
Já repararam que o Dr. Ribeiro e Castro, líder do CDS-PP, e o Dr. Marques Mendes, líder do PPD–PSD, têm mantido uma atitude de concordância com as decisões do Engº Sócrates?
Já repararam que só duas das dez medidas apresentadas em Janeiro estão já em vigor?
Já repararam que a maioria das medidas anunciadas vão ter como consequência o encerramento de organismos públicos, principalmente no interior?
Já repararam que passado um ano após a introdução do plano tecnológico, continuamos a pedir as inúmeras declarações, nos inúmeros serviços, para tratar de assuntos que dizem respeito a organismos do Estado?
Mas agora oferecem-nos o “Simplex” e chegou o momento por todos ansiado em que confiamos na administração pública e ela em nós. Com base neste princípio, aliado a outro princípio não menos importante que é a poupança, além da ajuda indispensável das novas tecnologias, aqui vamos nós entrar na desburocratização. Vamos todos confiar na Unidade de Coordenação da Modernidade Administrativa.
Li ontem o Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa e fiquei impressionado com as 333 medidas anunciadas, mas ainda mais quando me apercebi que as leis vão ser avaliadas em relação aos seus custos. Desiludam-se os que, como eu, pensavam que as ideias tinham saído da cabeça do Primeiro-Ministro e mais alguns inteligentes (fizemos a Expo 98, o Euro 2004, fomos à Índia, ao Brasil…), mas logo fui desenganado nas primeiras páginas do texto, afinal, o documento tem como base as experiências da Bélgica, Holanda, Reino Unido e ainda as recomendações da OCDE e CE.
Com estes governantes e com esta oposição sentimo-nos seguros e confiantes. Podemos continuar a ver o futebol e a telenovela, enquanto os franceses, ricos e mal agradecidos, que já não acreditam em “simplexidades”, vão-se cultivando em manifestações de rua enriquecidas com cenas de pugilato e fumos de discoteca. Coitados, deixaram de confiar.
Que continue a chuva, por amor de Deus.
Por: João Santiago Correia