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A Chave de Magritte

observatório de ornitorrincos

N. é professor universitário e estudioso de significados codificados e crípticos, estejam eles presentes em enunciados ocultos de escritos sagrados, nos recantos mais escondidos das páginas centrais das revistas masculinas ou em mensagens de telemóvel que ninguém consegue entender, enviadas por adolescentes. A obsessão pelo simbolismo da pintura de Magritte e a sua forma rechonchuda valeram-lhe a alcunha de “Gorditte”. O último trabalho de descodificação foi explicar a uma mãe preocupada que “só th fds p trab” significa “só tenho este fim-de-semana para trabalhar” e não que a sua filha mais nova se ia dedicar à prostituição porque ouviu falar nas vantagens da flexibilidade do mercado laboral.

Gorditte estava em casa, como é seu hábito sempre que não está na rua, quando tocou o telefone. No seu feitio simples mas genial, Gorditte pensou: “Se não estivesse em casa, não ouvia tocar o telefone. Ele há coisas giras…” Do outro lado, o professor ouviu uma voz grave: “Precisamos da sua ajuda.”

– Mas este mês já comprei o Pirilampo Mágico e o autocolante da Cerci – replicou.

– Não é isso. Temos um caso bicudo entre mãos.

– O Carrilho encontrou mais provas da perseguição contra ele na lírica de Camões?

– E nos sonetos eróticos do Bocage também, mas não é por isso que estamos a ligar.

Do outro lado, a voz explicou o caso. Inexplicavelmente, um homem irrompera sem roupa por uma sessão fotográfica da revista FGM. Embora o nome oficial da revista seja Filosofia e Geografia do Mundo, as suas iniciais são na verdade um acrónimo de Fogo, Gandas Mamas.

Gorditte, sem sequer se ver ao espelho, resolveu o enigma com facilidade. “Isso é coisa da Opus Dei e da Irmandade de Delfos.”

– Como é que sabe? – perguntou o interlocutor, apanhado desprevenido com um dedo enfiado no nariz.

– Já andava a prever isto. Repare, “despiu-o” é anagrama de Opus Dei e Irmandade de Delfos forma “desfile dando merda”. Essa gente quer acabar com todas as revistas masculinas onde apareçam donzelas acaloradas e com alergia a tecidos. A Irmandade é uma organização secreta fundada no século XIII para impedir que se revele um dos segredos mais bem guardados da humanidade e sobre o qual assentam os pilares da civilização ocidental: o Santo Graal não é uma taça, mas as mamas de Maria Madalena, que para o cristianismo original simbolizam todos os pares deste mundo, desde o de Keira Knightley ao de Scarlett Johansson. Estas são as verdadeiras provas da existência de Deus. Não é por acaso que bebemos água por copos e os soutiens têm copas.

Veja, por exemplo, – continuou o investigador – o quadro “Isto não é um cachimbo”. Magritte foi um grão-mestre de Delfos e gostava de usar cintos de ligas. O que aparece nesse quadro? Um cachimbo. No entanto, o artista diz-nos que não. Como se nos quisesse revelar que muitas vezes o que nos pode parecer um generoso par de seios revela-se somente uma boa armação metálica de suporte ou um benevolente implante de silicone. Munch, no seu quadro “O Grito”, expressa todo o desespero sentido no dia em que descobriu que os espartilhos empurravam as maminhas para cima. Mesmo no abstraccionismo de Kandinsky podemos observar centenas de mamas. Aqueles quadros são enormes amontoados de peitos femininos vistos pelos olhos do pintor.

E lembre-se que no Cântico dos Cânticos os seios são “filhos gémeos da gazela”. Quando o terrorismo islâmico quis fazer mossa no ocidente, o que atacou primeiro? As Torres Gémeas. Como pode constatar, tudo se encaixa. Esta, meu caro amigo, é a verdadeira chave de Magritte.

Nota: Todas as referências literárias e artísticas são verdadeiras. Só a personagem é inventada. O autor não conhece nenhum professor universitário que seja gorducho, goste de Magritte e leia revistas com mulheres pouco vestidas.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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