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A Catalunha

Editorial

A consulta popular feita na Catalunha, sobre a independência, deve servir de mote para uma enorme reflexão sobre Democracia, cidadania, direitos, liberdades e garantias das pessoas e dos povos.

Mais de dois milhões de catalães “votaram” pela independência, ou seja, mais de oitenta por cento dos cidadãos inscritos na consulta popular daquela comunidade autónoma (“país”) disseram em sufrágio que não querem continua a ser espanhóis, que querem a sua autodeterminação, que desejam a sua emancipação de Espanha.

Em 1469, por casamento de Fernando de Aragão e Isabel I, formou-se a monarquia espanhola que integrava Castela e a Catalunha. Mas a férrea vontade independentista já então se manifestava de forma constante. Depois de anos de lutas, catalães e castelhanos vivem “juntos” desde 1714 (um dos momentos mais atribulados entre os muitos avanços e recuos da soberania catalã foi em 1640, quando os castelhanos concentraram no Levante as suas tropas, na guerra dos Segadores – sublevação catalã – deixando o flanco português debilitado, o que contribuiu para que a 1 de dezembro de 1640 afirmássemos a nossa independência).

Franco tentou aniquilar a cultura catalã apoiando a industrialização e promovendo a imigração massiva de andaluzes para as zonas industriais do cordão de Barcelona. Esse processo de aculturação levou a que nos anos 60 houvesse centenas de milhares de operários “espanhóis”, castelhano-falantes, que contribuíam ativamente para a fragilização do fulgor nacionalista da Catalunha. Mas, mesmo perante esse processo intenso de destruição da cultura catalã, o nacionalismo silenciou-se perante a mordaça franquista, mas nunca esmoreceu; não usava a violência basca contra a repressão franquista, mas vivia intensamente a sua defesa da autodeterminação como povo. Por isso, com a queda do franquismo em 1975, recupera-se a autonomia e o catalão é permitido como língua oficial. Promove-se o Estatuto da Catalunha e recupera-se o direito a votar e a ser eleito – e partir de então os partidos catalães ganharam todas as eleições.

Depois de várias tentativas, e após a proibição pelo Constitucional espanhol de um referendo à independência da Catalunha, Artur Mas inventou uma consulta popular, de desobediência civil, feita por voluntários, sem força legal nem peso institucional, mas a que acorreram mais de dois milhões de cidadãos num “país” que tem sete milhões de habitantes, dos quais cerca de milhão e meio são emigrantes (ou imigrantes).

Como é natural, perante este resultado os catalães têm todo o direito de subir o nível de reivindicação. Mas a grande questão é, perante isto, perante uma participação de dois milhões e meio de eleitores e uma opção massiva pela independência, que direito tem Espanha para impedir um referendo?

A liberdade do povo catalão para se exprimir e defender a sua nacionalidade e cultura foram proibidos pelo governo de Espanha, mas ao expressarem-se ainda que de forma não vinculativa evidenciaram a sua vontade. A vontade de um povo deve ser ouvida; a vontade dos cidadãos tem de ser respeitada.

Luis Baptista-Martins

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