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A brutalidade

Editorial

Comecemos pelo fim: permitir abusos de autoridade às polícias é, de certa maneira, apoiar e incentivar esses abusos. Se o Estado não tem capacidade para impor regras de civilidade, conduta e respeito pelo cidadão aos agentes, também não pode estar à espera que o cidadão respeite os agentes da autoridade. Os governos são useiros em olhar para o lado sempre que há situações de excesso policial ou quando há episódios de violência policial – abrem-se uns inquéritos e espera-se que o assunto saia da agenda mediática e seja esquecido (curiosamente, nas redes sociais denuncia-se tudo muito rápida e ferozmente, mas de imediato tudo é esquecido). Os acontecimentos do passado fim-de-semana, infelizmente, serão esquecidos e não haverá consequências formais pela violência gratuita que se viu em Guimarães ou no Marquês de Pombal. A culpa vai morrer solteira, pois claro.

O futebol das paixões e dos milhões foi mais uma vez o campo da alienação e da violência.

Em Guimarães, ao mesmo tempo que a bola rolava no tapete verde e os adeptos aguardavam pelo apito final para celebrar o bicampeonato do Benfica, alguns adeptos roubavam material desportivo, destruíam equipamento e atacavam quem lhes aparecia pela frente – enquanto a polícia, como sempre, estava concentrada no controlo da saída das claques e impedia a livre circulação das pessoas.

Num ambiente incompreensivelmente descontrolado, um homem com duas crianças e um homem mais velho afastam-se do estádio e, na zona adjacente, são abordados por dois agentes da PSP. Terá havido uma rápida troca de palavras e um dos agentes passou à agressão brutal, indevida e obtusa. As imagens da CMTV não enganam (e ainda bem que há mais televisões para poderem mostrar aquilo que tantas vezes é feito às escondidas…). O agente, soube-se depois, é um comandante de esquadra de investigação criminal da PSP de Guimarães – um profissional armado e preparado na relação com a violência, treinado, com responsabilidades de chefia, abusa da autoridade e da força e agride brutalmente um homem. E, mesmo que em sua defesa o agente diga que respondeu a provocação ou insultos… um polícia que não consegue controlar-se e responde a um insulto com agressão não pode ser agente da autoridade – não pode ser polícia e muito menos comandante! Por isso, é inadmissível que o homem agredido tenha sido constituído arguido enquanto o polícia agressor não foi sequer suspenso, até análise dos factos, pelo menos.

E, depois, no Marquês… a violência campal entre militantes da mesma causa – a de festejar a vitória do Benfica – transformou-se num cenário sul-americano de violência e ataques gratuitos perpetrados por energúmenos que não param perante nada… nem mesmo perante a força policial.

E aqui voltamos ao agente, que deve ser suspenso e não tem condições para ser polícia, mas que integra uma dinâmica de desresponsabilização contínua à volta de casos destes, no futebol e fora dele. Os clubes não são responsabilizados pelas atividades irregulares e violentas das claques que apoiam; os dirigentes não são responsabilizados criminalmente pelo seu contributo para a violência, pelas suas declarações ou pelos seus atos irrefletidos (o Benfica não aceitou as indicações da PSP para a organização da festa no Marquês, nomeadamente a proibição de venda bebidas alcoólicas); a impunidade de quem pratica vandalismo dentro e fora dos estádios; a vida à volta da bola tem de ter outras regras… e a polícia tem de ser parte da solução, porque sem ela os problemas serão sempre mais graves.

Luis Baptista-Martins

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