Os portugueses tomam progressivamente consciência do elevado ónus da desorganização do País. Um conjunto de artigos recentes sobre os anunciados investimentos turísticos na Serra da Estrela alerta, igualmente, para a relação custo/benefício desta actividade. Perpassa esses textos a comum inquietude face ao modelo e aos pressupostos de tais investimentos, numa velada mistura de desconfiança e impotência perante a urgência do processo. A informação disponível é insuficiente e contraditória. A ineficiência dos organismos que tutelam o ordenamento do território e o ambiente dá poucas garantias acerca da qualidade do retorno. Exporemos, em cinco artigos, as notas que julgamos pertinentes na correlação do turismo com o planeamento do território.
Ecologia
Vivemos um momento de emergência planetária. A questão ecológica começa a ser entendida como um premente problema da humanidade e a tornar-se objecto de atenção política, mesmo nos Estados Unidos (Al Gore). A ênfase, por agora, está na mudança climática e no modelo energético. Por intermédio da Agenda 21, a União Europeia tenta antecipar o futuro sustentável e alertar as comunidades para a necessária integração das diversas componentes da vida humana, inclusive o crescimento económico e o emprego, em ordem a este desiderato. Porém, o processo não está a ser tão participado quanto devia.
A Agenda 21 reclama dos poderes públicos a promoção de equilíbrios entre o possível e o desejável na gestão do território, investindo-a de rigor científico e atenção ecológica, sob pena de alastrarem fenómenos do “tipo” Esmoriz e Caparica, em que a inclemência dos elementos obsta à ambição dos homens. O espectáculo decadente do litoral só não será a realidade da Beira Interior se houver lucidez nas autarquias e forte pressão cívica sobre os partidos. O passivo ambiental e urbanístico, escudado no opaco ardil jurídico-administrativo, e a célere depredação de recursos naturais justificam a porfia.
Paisagem e Memória
Desde a mística medieval, pelo menos, que a identificação de predicados morais na natureza conduz o homem à procura de refúgio em locais ermos ou de notável beleza natural, a fim de restaurar a sua harmonia espiritual. A paisagem é um espelho que ajuda a objectivar o olhar e a projectar no tempo as recordações. É o lugar de encontro de fluxos remotos que equilibram a agrura dos dias. Através dos sinais que implanta no território o homem revela a sua cosmogonia. O cuidado posto nessas intervenções varia consoante a época, mas denuncia sempre, além do carácter dos autores, aspectos antropológicos e sociológicos. Assim, o território pode ver-se como um cadastro ou palimpsesto mnemónico em que as camadas culturais se sedimentam e sobrepõem.
O voluntarismo moderno tornou este interesse pela paisagem e pela cristalização da cultura num atractivo negócio especulativo, disseminando infraestruturas e construções, quase sempre precárias ou desajustadas, por todo o planeta: no caso da Serra, recordemos apenas o centro comercial da Torre, as vernáculas barracas de zinco dos tempos do PREC, as ruínas do teleférico e as exóticas palafitas viking das Penhas da Saúde.
Por: Francisco Paiva *
*Arquitecto e docente da UBI no departamento de Arquitectura. Inicia nesta edição uma colaboração regular com “O Interior”