7. Rural e Urbano
Se as questões rurais ganham peso na política de ordenamento (Público, 9/1) e se o governo afirma no PNPOT privilegiar a relação litoral/interior, alertamos para o perigo de tal articulação se poder fazer à custa da migração das actividades inconvenientes, sem os devidos benefícios sociais, infraestruturais e de serviços. A desejável coesão nacional deve respeitar a especificidade do interior, potenciar os seus vínculos com Espanha, e tender, outrossim, para o equilíbrio dicotómico rural/urbano desta região: as zonas de baixa densidade populacional são compatíveis com o desenvolvimento humano e podem acolher actividades competitivas, não forçosamente vocacionadas para a venda de bibelots.
O ingente programa da Agenda 21, já referido no primeiro artigo desta série, põe a tónica na criação de um modelo de transformação específico para cada comunidade, convocando a investigação desenvolvida neste capítulo pela ONU e pela UNESCO. Neste âmbito, qualquer tipo de ordenamento da Beira Interior não pode deixar de atender à relação centro/periferia intrínseca aos aglomerados urbanos, em regra calamitosa, e à sua articulação nos eixos A-23, A-25 e IC-6 (incompreensivelmente adiado!). Terá, enfim, que relacionar os problemas e as valências do habitat com os usos do solo, a agricultura, a floresta, a mineração e a gestão da água.
Os espaços rústicos, regulados por um extenso bloco normativo, conhecido essencialmente através das siglas REN e RAN, carecem de aprofundada reflexão, pois o modelo das “reservas” e “áreas protegidas”, exterior aos núcleos urbanos, revela-se desajustado para lidar com os perímetros, com as zonas de transição e com o rural propriamente dito. A autêntica ruralidade pressupõe o fomento do sector primário; sendo, portanto, desfavorável à criação de expectativas de lucro fundiário especulativo resultante da expansão urbana desregrada em solos de grande aptidão agrícola, como ocorre na Cova da Beira.
Nos países civilizados, a procura de habitação por motivos económicos ou lúdicos em meio rural é conduzida para o interior dos perímetros urbanos, que podem ser aldeias reabilitadas; assim se evitando a proliferação de novos espaços de vilegiatura, referidos no artigo anterior, à custa do despovoamento, abandono e morte dos antigos. À dispersão urbanística opõe-se a consolidação dos núcleos edificados, menos dispendiosa no que respeita à manutenção das infraestruturas públicas.
Nesta região, embora pouco estudado, o recente êxodo massivo do meio rural para os aglomerados urbanos teve consequências desastrosas para ambos: é sabido que qualquer cidade precisa de uma zona de influência e que o abandono dos campos provoca a completa dependência alimentar, dita o fecho de equipamentos e de serviços básicos (escolas, correios, postos médicos, etc.), o abandono dos idosos à sua sorte, a ruína do edificado e a degradação dos campos aráveis. Simultaneamente, a periurbanização desqualificada provoca a dependência quotidiana do automóvel e a preponderância viária, visível no sobredimensionamento de vias, rotundas e parques de estacionamento pago. Esperamos que estas alusões sejam suficientes para se entender em que medida a desagregação urbana provoca feridas sociais e psíquicas e, afinal, quanto do deficit democrático resulta da falta de espaço público qualificado estética e funcionalmente.
Por: Francisco Paiva *
*Arquitecto e Docente da UBI (ftapaiva@gmail.com) – Fevereiro de 2007