Boa parte do crescimento económico norte-americano dos últimos anos teve origem na chamada bolha especulativa do mercado da habitação. A coberto das baixas taxas de juros, originadas pela abundância de oferta de dinheiro pela banca, tornou-se atractivo para muitos o investimento em imobiliário. A bolsa já não tanto, por força de alguns escândalos e da desilusão em que redundaram as expectativas de muitas empresas do sector tecnológico. Parecia muito mais sólido, e palpável, o investimento em casas ou apartamentos do que obscuras empresas que limitavam muitas vezes a sua existência e patrimínio a um endereço na internet. Por outro lado, sendo o dinheiro tão barato, no sentido de que os juros eram muito baixos, compensava deixar de pagar renda de casa e comprar habitação própria. E, como as casas não paravam de valorizar, o investimento parecia uma excelente colocação do dinheiro que se tivesse no banco, onde rendia juros cada vez mais baixos.
Isto era bom também para as empresas de construção civil, que encontravam comprador, a preços sempre mais altos, para todos os fogos que conseguissem colocar no mercado. Para a banca, então, nem se fala. A clientela chegava em catadupas, ansiosa pela aquisição de habitação própria ou pela colocação de capitais para investimento. Faziam-se contas: compro o apartamento, alugo-o e com o aluguer vou pagando a hipoteca. No final vou ter, quase de borla, descontado o auto-investimento, uma casa em constante valorização. Os juros eram tão baixos e a subida de preços no mercado da habitação tão constante que parecia impossível perder-se um dia dinheiro no negócio.
Um dia, começaram a surgir os primeiros sinais de preocupação – e ainda falo, embora possa não parecer, do mercado norte-americano. A taxa de incumprimento começou a disparar, sobretudo nas hipotecas a juros subprime (no sentido de acima da prime rate, destinada aos melhores, e mais fiáveis, clientes). É que, no mercado da banca, quem consegue as melhores taxas é quem menos precisa delas. Como diz um meu amigo que trabalhou no sector, “quem demonstre não precisar do dinheiro que o banco lhe empresta”.
Para iludir os outros clientes, os mais pobres e mais ignorantes, os bancos acenaram com todos os truques: juros muito baixos nos primeiros anos, tão baixos que a amortização mensal da hipoteca não chegava muitas vezes a tocar no capital, prendas várias, prazos de carências.
Também esta bolha especulativa veio a rebentar, como tinha rebentado a bolha especulativa bolsista das “Dot Com”. Houve um momento em que se descobriu que os juros iam subir, e de forma incontrolável, deixando indefesos os milhões que se tinham endividado até aos ossos para comprar casa e, a coberto do empréstimo para a casa, a tinham mobilado e tinham trocado de carro, à custa de um ainda maior endividamento. Houve um momento em que se descobriu que havia mais fogos à disposição no mercado do que compradores à procura deles – e foi este o momento em que começaram a surgir as primeiras falências no sector da construção civil e se colocaram em risco os muitos empregos que dele dependem.
Isto aconteceu na América e vai acontecer em muitos outros países. Vai acontecer, está a acontecer, também em Portugal, também na Guarda, onde se especulou descabeladamente, onde começaram já as falências na construção civil, onde há centenas de fogos devolutos, que se não vendem nem arrendam, e onde basta a diminuição de estudantes no IPG, ou a perda de umas centenas de postos de trabalho na Delphi, para fazer perder o sono a metade dos gerentes bancários da cidade.
Um Pesadelo (sem sugestões)
Concluí a licenciatura em 1986, frente a Orlando de Carvalho, na oral de Direito Comercial, considerada uma das cadeiras mais difíceis do curso. Era a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, uma referência, e o seu professor mais exigente, um autêntico mito, uma lenda viva. O melhor professor que alguma vez tive, e tive bons professores. Durante anos, terminado há muito o curso, tive um pesadelo recorrente: sonhava que por qualquer razão se tinha descoberto que me faltava ainda uma cadeira para a licenciatura e que tinha de lá voltar e fazer outra vez exame a essa e ainda à cadeira mais difícil: Comercial de 5º ano. Vários amigos meus dizem-me terem tido o mesmo sonho ou parecido (a minha mãe teve esse sonho, comigo a ter de voltar à faculdade). Com o tempo passou e não o tenho há já uns anos. Será que os pesadelos de José Sócrates continuam e, pior do que isso, se tornaram realidade?
Por: António Ferreira