Um dos temas que recentemente mais apaixona os politólogos é a reflexão acerca da relativa estabilidade do quadro político-partidário em Portugal.
Na Europa do Norte e também na Europa do Sul tem-se verificado uma significativa evolução do quadro tradicional para novos movimentos políticos, que ocupam agora o espaço partidário. Com a exceção da Alemanha e do Reino Unido, países onde coincidentemente os partidos liberais foram os únicos que perderam a sua importância relativa, Portugal tem hoje, 41 anos após a Revolução de Abril, um quadro partidário estável comparativamente a generalidade dos estados europeus.
Itália é talvez o paradigma da absoluta supressão dos partidos tradicionais, com o desaparecimento da Democracia Cristã, do Partido Comunista e do Partido Socialista. Em vários países europeus, como a França, a Bélgica, a Grécia, a Holanda, a Áustria, entre outros, têm surgido partidos de extrema direita que ganham progressivamente novos eleitorados e acrescida importância política.
Mas à esquerda também se têm verificado, na Europa, significativas alterações do xadrez partidário com destaque para o quase absoluto desaparecimento do Partido Comunista, que em tempos idos teve uma presença muito importante em Itália, França e Espanha, gerando, em consequência, uma fragmentação de novos movimentos de esquerda que tem atingido ainda, nalguns países, os próprios Partidos Socialistas.
A evolução política verificada na Europa, com a queda do muro de Berlim, a desagregação da ex-URSS e o alargamento a Leste das fronteiras políticas da União Europeia contribuíram para o quase desaparecimento dos partidos comunistas que ficaram sem espaço ideológico de referência, no quadro de uma Europa caracterizada pela democracia parlamentar, um mercado económico liberal e políticas sociais.
Neste quadro europeu, a permanência dos partidos comunistas, ideologicamente de raiz marxista e leninista, é, na verdade, quase um “no sense” dada a evidente contradição entre a ideologia e o quadro político e normativo, pelo que se tem verificado o seu desaparecimento progressivo, substituídos por novos movimentos a esquerda.
A razão porque em Portugal o Partido Comunista tem ainda relativa expressão política prende-se, a meu ver, pelo peso institucional do arcaico pensamento sindical que prevalece na CGTP, verdadeira correia de transmissão do Partido Comunista, a par do número de grandes empresas públicas existentes ainda em Portugal.
Ainda a esquerda, o aparecimento do Bloco, atualmente em fase crítica da sua recente evolução, não tem ainda força e expressão para se considerar um movimento de referência alternativo no sistema político. No “centrão” do espectro político partidário, o Partido Socialista português tem aguentado melhor que os partidos congêneres, o que é explicado pela circunstância de ser a força política que mais tempo ocupou o poder, instalando grande parte da sua militância em todo o sector publico e ocupando outros tantos na esfera dos favores da máquina política do Estado.
À sua direita, o PSD é um partido tipicamente português, nascido não de uma forte corrente ideológica e doutrinal, mas de uma implantação nacional muito assertiva e pragmática, profundamente interclassista, com forte presença nas autarquias locais de Norte a sul do país. À direita deste, o CDS/PP nascido do movimento da democracia cristã sempre foi um movimento de quadros e de elites que, por falta e implantação nacional, designadamente na área do poder local, nunca representou uma alternativa de governo por si só.
A estabilidade político partidária em Portugal parece assim viver da alternância do poder e das características inerentes a cada força política. Estará em crise?
À direita o cenário político europeu tem sido mais consistente, pois em todos os países existe uma alternativa de poder, com ideologia mais ou menos liberal e conservadora, acreditando e defendendo a economia de mercado, a propriedade privada dos meios de produção e a liberdade de concorrência.
Em Portugal, a direita, ainda historicamente aprisionada no seu pensamento pelo contexto revolucionário de 74, tem a seu favor a clara identificação programática das bases concetuais dos tratados da União Europeia.
À esquerda, o Partido Comunista, paradoxalmente, é consistente na persistência política de pontos de vista que são ideologicamente inconsistentes!
O Partido Socialista português vive a aparente contradição de não ter suporte ideológico atualizado, para quem meteu o marxismo na gaveta há muito e não poder reivindicar um claro e diferenciador pensamento político. Na verdade, o socialismo não existe sem uma referência ortodoxa a Marx, nem a social democracia vive sem referência a um marxismo reformista e evolutivo da sociedade. São, todavia, conceções doutrinárias do fim do século XIX que não viram confirmadas as teorias do fim do capitalismo.
O Partido Socialista despojado de ideologia vive, assim, de nuances e de pequenos apontamentos programáticos, reconduzindo-se a um partido de poder e encontrando aí a sua consistência eleitoral.
Ora, a contradição das referências ideológicas da esquerda portuguesa e a rigidez dogmática do seu pensamento, alimentado apenas pela conquista do poder, constituirá o gérmen da evolução futura do sistema político português, onde novos movimentos políticos de raiz mais libertária e popular poderão aparecer contribuindo para a fragmentação do quadro partidário.
Por: Júlio Sarmento
* Ex-presidente da Câmara de Trancoso e antigo líder da distrital da Guarda do PSD