P – Qual é a sua expectativa, nesta quadra natalícia, para o comércio do Nordeste da Beira?
R – Entendo que estamos claramente numa situação mais difícil do que no ano passado, porque houve uma redução no poder do compra e as expectativas de futuro são más e haverá um retraimento por parte dos portugueses. Eu não acredito nesses ditos bons indicadores, que dizem que há mais gente a comprar, não sei se isso não terá a ver com um possível aumento das pessoas que recorrem ao cartão de crédito.
P – No contacto com os comerciantes da região, vê uma carga negativa?
R – Vejo alguma descrença. Sou naturalmente um combatente e um optimista, tento aqui introduzir uma nota de confiança no futuro, porque apesar de tudo acho que seremos capazes.
P – Mas será assim tão mau como dizem?
R – Sim, acho que será um ano difícil e alguns dos nossos banqueiros dizem que a economia portuguesa precisa de cinco anos para encontrar o seu caminho. Eu não tenho dúvida nenhuma disso, mas acredito que temos futuro. Mas que, primeiro, vamos passar por um tempo difícil.
P – Receia pelo futuro das empresas da região? Do comércio tradicional mas também de outras áreas?
R – Receio e estou convicto que nos próximos anos algumas empresas vão desaparecer devido a este período de crise económica.
P – Que tipo de problemas é que estas empresas vão encontrar?
R – Nomeadamente problemas de acesso ao crédito. A situação nos mercados de financiamento da economia e da banca portuguesa vai levar a que as instituições em Portugal reduzam claramente o crédito.
P – Acha que da parte dos empresários houve alguma irresponsabilidade, uma falta de capacidade para reaprender a trabalhar?
R – Naturalmente que sim. Hoje, temos um comércio tradicional muito envelhecido, porque a actividade não é atractiva para os mais jovens. E isso tem muito a ver com aquilo que se passa neste país, na forma fácil como se têm licenciado novos centros comerciais, pondo em causa o ordenamento. Temos centros históricos de cidades desertos. Nem as próprias lojas de marca estão hoje na rua. Há também um problema urbanístico, a questão do comércio também tem a ver com o planeamento das cidades. Enquanto as pessoas não perceberem isto… não chegaremos a nenhum lugar.
P – O que é que a AENEBEIRA pode fazer nesta altura para apoiar os seus associados e de certa forma contribuir para a sua resistência?
R – A AENEBEIRA preocupa-se com o comércio tradicional como centro de actividade económica, como associação empresarial não se reduz só ao centro comercial. Temos contribuído ao longo dos anos não só para ter iniciativas de animação na área central, animar o centro histórico. Contribuímos através da realização de projectos, de candidaturas a sistemas de investimentos, de formação profissional. E apostamos também na nossa representação institucional junto de outras entidades empresariais no sentido na defesa das nossas pequenas e médias empresas.
P – Neste tempo de redução de incentivos, também a própria associação terá mais dificuldades em criar essa dinâmica. Sente essa redução?
R – Tenho a perfeita noção de que há uma clara redução do tipo de apoios disponíveis às nossas micro e pequenas empresas. As empresas do interior têm muito poucas hipóteses de concorrer com as do litoral, os apoios vão sobretudo para as grandes áreas urbanas. De qualquer forma, temos contribuído na medida do possível divulgando os sistemas de incentivos existentes e apoiando as candidaturas. Este ano estivemos envolvidos em cerca de dúzia e meia de candidaturas de projectos de investimento. Não tem sido no sector do comércio tradicional. Aí, de facto, não existem grandes políticas nacionais.
P – Não acha que a fiscalidade para a interioridade tem sido um benefício para a região que não está a ser aproveitado para a atracção de grandes empresas que aqui pagariam pelo menos 10 por cento do que no litoral?
R – Eu acho que isso não tem surtido o seu efeito porque veio atrasado. Quando essa descriminação positiva fiscal para o interior foi plasmada, estávamos numa crise financeira onde se pensa em tudo menos em investir. Teria sido interessante analisar qual teria sido o efeito se isso tivesse sido implementado há três anos, por exemplo. A atitude empresarial hoje é claramente defensiva, de manter o que está e de não pensar em novos empreendimentos. E também entendo que não foi suficientemente trabalhada e aí a responsabilidade não é dos autarcas, devia ter havido maior empenho da própria administração central nesse aspecto.
P – Quais é que são os principais projectos da AENEBEIRA para 2011?
R – Vamos manter o nosso ritmo de actividade, mantendo a dinâmica das nossas duas feiras e também a actividade de formação profissional, respondendo à necessidade das empresas que hoje têm de cumprir obrigatoriamente um conjunto de horas de formação. Mas também formação e consultadoria para empresários. Nesse aspecto, vamos ter um orçamento um pouco superior ao de 2010. Teremos um orçamento que rondará os dois milhões de euros para 2011, tentando contribuir para o apoio às empresas nas áreas em que nos é possível e no quadro legal existente e com muita actividade na consultadoria às empresas e dinamização de formação certificada.
P – A Feria de São Bartolomeu é um ex-libris da vossa actividade mas a Feira do Fumeiro tem vindo a ganhar cada vez maior relevância. Há alguma alteração aos modelos de feira?
R – Em relação à Feira de São Bartolomeu, nós vamos fazer algumas alterações quanto à calendarização. Temos de reduzir os dias do evento. Vivemos tempos de crise económica e não nos é possível manter o modelo de 10, 11 dias, vamos ficar com oito. Além disso, normalmente, começa na segunda sexta-feira do mês de Agosto e terminar no domingo da semana seguinte. Vamos ter de abandonar esse modelo, que se mostra hoje claramente desajustado. Vamos assumir uma nova prática e iniciar sempre a feira no dia 15 e encerrar no dia 22 de Agosto. Entendemos que é uma data correcta até porque há iniciativas nos concelhos vizinhos nos dias anteriores. Em relação à Feira do Fumeiro, vamos manter o mesmo processo, duas semanas de feira. Fazemos na última semana de Fevereiro e primeira de Março.
P – Neste momento há uma petição online, em defesa da harmonização fiscal entre as zonas da Raia perto de Espanha e Portugal, para evitar este desequilibro que existe por haver uma carga fiscal mais alta aqui do em Espanha, o que provoca algum estrangulamento. Qual é a sua opinião?
R – Acho que é uma atitude simpática, mas inviável. Não seria possível para os dois países, até pelas consequências que teria sobre os seus orçamentos. Eu sou muito mais radical, porque não pensar isso a nível europeu? Um único orçamento e uma fiscalidade. Se a União Europeia se transformasse nos Estados Unidos da Europa à semelhança dos Estados Unidos da América? Eu sou a favor dos Estados Unidos da Europa. Penso que a crise que a Europa está a sofrer é porque está a ser vítima de uma leviandade extrema que foi o euro. A adopção do euro só podia ter sido possível com um orçamento comunitário comum. E agora ninguém sabe muito bem como vamos sair disto.
P – Entende que o IP2, cujo primeiro troço abriu agora ao trânsito, vai dar algum impulso à economia regional?
R – Penso que sim. Numa situação económica normal, se não fosse a crise, teria efeitos muito importantes, de qualquer forma penso que é sempre uma mais-valia significativa. Acho que a concessão do IP2 permite todas as acessibilidades a esta região a Norte do Mondego, portanto é há muito reclamado e bem-vindo. Melhora as acessibilidades do concelho de Trancoso e essa melhoria vai ter efeitos na capacidade de atrair investimentos e fluxos turísticos. Se é bom para Trancoso, para quem é autenticamente uma revolução é para Vila Franca das Naves. Tem uma importância decisiva, porque encontrava-se encravada, tinha más acessibilidades em relação a Trancoso, à A25 e à capital de distrito. Esse paradigma foi completamente alterado. Vila Franca estava metida no fundo de um vale e não passava dessa linha…
As “contrariedades” do IP2 na ligação a Vila Franca das Naves
O primeiro troço do IP2, entre a A25 (Celorico da Beira) e Trancoso, abriu ao trânsito na segunda-feira. No entanto, várias “contrariedades” podiam ter impossibilitado a sua concretização, desde o chumbo inicial do Tribunal de Contas até aos estudos de Impacte Ambiental, que poderiam ter atrasado de forma definitiva a obra.
De acordo com o vice-presidente da Câmara de Trancoso, António Oliveira, em 2006, o Instituto do Ambiente emitiu uma proposta de Declaração de Impacte Ambiental que era desfavorável ao projecto «IP2 – Lanço Trancoso/Celorico da Beira/IP5, e particularmente desfavorável em relação à ligação do IP2 a Vila Franca das Naves» e que poderia ter ditado «o fim daquela via de acesso». Era apenas uma proposta, no entanto, se estes pareceres desfavoráveis se repetissem na Declaração de Impacte Ambiental, António Oliveira não tem dúvidas que «teria havido um atraso significativo». «Estou convencido que com esse atraso poderíamos nem sequer ter IP2», sustentou, considerando nomeadamente a actual situação do país.
As objecções do Instituto do Ambiente à ligação da auto-estrada a Vila Franca das Naves, cerca de seis quilómetros, prendiam-se com os «impactes negativos sobre o uso do solo e razões de carácter sócio-económico por atravessar e destruir área de vinha e olival», lê-se na proposta, e propõe-se como alternativa a utilização da rede viária municipal existente (entre Vilares e a entrada da vila). O Instituto do Ambiente dava ainda um parecer desfavorável ao IP2 no lanço Trancoso/Celorico da Beira/IP5, por razões que se prendiam com o uso do solo, e à ligação à EN 102, porque o traçado afectaria «uma proposta de aeródromo».
Segundo o autarca, os municípios com ligação ao IP2 decidiram reunir-se, na altura, e elaborar uma carta dirigida ao Primeiro-Ministro e ao Ministro do Ambiente, contestando nomeadamente o parecer desfavorável ao nó de Vila Franca das Naves. «Essa consideração parece-nos desprovida de bom senso e põe em causa o investimento efectuado pela Estradas de Portugal na rectificação e beneficiação da EN 226», entre Vila Franca das Naves e Pinhel, escreveram na época. Na carta, pediam que o projecto fosse considerado «de interesse público», para que as Secretarias de Estado do Ambiente e das Obras Públicas emitissem um despacho conjunto para a aprovação da obra. «Esse despacho não veio a acontecer», explicou António Oliveira, pois foi aceite a sugestão de aproveitar a estrada municipal devidamente requalificada e sem contrariar o princípio da proposta de Impacte Ambiental de não aceitar a «destruição de vinha e olival». Assim, a opção inicial foi abandonada mas foi possível fazer avançar a construção da variante de acesso em simultâneo à da auto-estrada. De resto, as vias de ligação do IP2 a Celorico (estação) e a Vila Franca das Naves foram feitas, ficando de fora a de Trancoso, por esta não ter estudo de impacte ambiental, que, a ser feito, atrasaria uma vez mais a construção da auto-estrada.
Requalificação da ligação de Trancoso ao IP2 para breve
O concurso para a obra de requalificação da via, que irá ligar o IP2 a Trancoso, será lançado ainda durante o primeiro trimestre de 2011, revelou o vice-presidente da autarquia. O troço entre Chafariz do Vento e a cidade será requalificado através de financiamento do QREN em 80 por cento. Será uma obra da Câmara, onde se pretende «corrigir algum traçado, repavimentar as guardas de protecção e colocar passeio em parte da via», esclareceu o autarca. Quanto à execução, António Oliveira espera que possa ter início ainda durante o próximo Verão.