A história chega a ser um tanto ou quanto estranha. Manuel Amândio Baltazar tem 80 anos e conduziu durante mais de 40 sem habilitação legal para o efeito. O autor de delito tão prolongado, residente numa quinta perto de Belmonte, está hospitalizado no Hospital Pêro da Covilhã há cerca de quinze dias, depois de passar dez meses no estabelecimento prisional da cidade. No hospital, chegou a ter um guarda permanente à porta.
A detenção aconteceu há dez meses. Depois de ter sido apanhado «meia dúzia de vezes» a conduzir sem carta, foi condenado a onze meses de prisão com pena suspensa por dois anos. «Com o aviso de que se voltasse a ser apanhado seria preso», recorda. Mas, apesar das advertências, foi novamente surpreendido a conduzir, o que acabou por lhe valer os onze meses de prisão efectiva. Apesar de tudo, Manuel Baltazar conta já 42 anos de condução sem carta. «Não sei ler nem escrever e precisava de arranjar a minha vida e ir para aqui e para ali», defende-se. E o mais caricato é que, apesar de tudo, não parece ter-lhe faltado destreza ao volante, pois nunca teve qualquer acidente. Conta que chegou a pegar no carro para ir a «Lisboa e até a Espanha», sublinhando que nunca precisou de «fugir à polícia» ou de «responder mal às autoridades». No entanto, a última vez valeu-lhe a detenção, na zona do Sabugal. «Se soubesse, nem lá tinha aparecido», lamenta-se, «mas é a vida e não há razão para atrapalhações», acrescenta de imediato. Nalguns lugares até já era conhecido das autoridades: «Às vezes mandavam-me parar e eu não tinha os documentos, mas eles deixavam-me ir embora», adianta. Noutras ocasiões passava pelos agentes e «seguia despercebido».
Contudo, só pelos militares do Posto Territorial de Belmonte chegou a ser encontrado sem habilitação para conduzir pelo menos três vezes, a 10 de Agosto de 1998, a 9 de Julho de 2002 e a 27 de Agosto de 2003. Mas fonte do comando de Castelo Branco da GNR garante que Manuel Baltazar terá sido apanhado «seguramente mais de dez vezes nos últimos anos». O próprio confessa que já teve «tantos carros» que até lhes perdeu a conta. Mesmo assim, ainda se recorda do primeiro, «um Peugeot 404», e admira-se quando confrontado com a inevitável pergunta de quem lhe terá, afinal, ensinado a conduzir. «É preciso alguém ensinar? Não é nenhum “bicho-de-sete-cabeças”, aprendi sozinho», exclama, acrescentando que os próprios acidentes de viação também lhe causam algum espanto. «Sou franco a dizer, fico admirado como é que há tantos acidentes por aí. A mim nunca me aconteceu nada durante estes anos», vangloria-se. Da cadeia, pouco diz. «Sou bem comportado e ninguém tem nada a apontar-me. Os próprios guardas dão-se bem comigo», afirma, desconfiando que a doença seja fruto «de algumas irritações» proporcionadas nos últimos tempos.
Manuel Baltazar chegou a recorrer ao tribunal, mas para pedir «20 dias para ir a casa». Um requerimento indeferido de pronto porque o juiz desconfiou que «eu ia pegar no carro». Com a pena praticamente cumprida, o que acontece dia 18, não afasta a ideia de voltar a pegar no carro, «mas não sei se estarei em condições de o fazer quando sair daqui», refere. Do lado das autoridades, o comandante Hélder Almeida, do grupo territorial da GNR de Castelo Branco, coloca várias hipóteses para explicar este caso inédito, nomeadamente o facto de Manuel Baltazar «nunca ter sido fiscalizado por não ter tido nenhum acidente e também o factor sorte, associado a alguns cuidados que ele possa ter tido para escapar à abordagem das autoridades».
Rosa Ramos