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40 anos de salário mínimo

Editorial

1. O debate sobre o aumento do salário mínimo nacional é do mais constrangedor que há. Num país com dois milhões de pobres, ainda que os dados oficiais falem de metade, pois a outra metade está «em risco de pobreza», continuarmos a adiar um aumento aos que estão no fundo da tabela salarial, é um erro. É da mais elementar justiça “nivelar por baixo”, isto é, aumentar quem ganha muito pouco, mesmo que não se possa aumentar quem ganha bem ou se tenha de diminuir a quem recebe muito. As 500 mil pessoas que auferem o salário mínimo, que todos os dias se levantam para ir trabalhar, que vão a pé porque o dinheiro não chega para pagar transportes, ou não dá para dar refeições decentes aos filhos, ou simplesmente não permite viver condignamente… São trabalhadores que não têm esperança, nem voz para aparecerem na televisão (os que aparecem são os que têm bons rendimentos ainda que com a crise tenham cortes), são pessoas que já não têm expetativas e aprenderam a viver com o pouco que ganham. E são cada vez mais os jovens que entram no mercado de trabalho acalentando a esperança no futuro, ambiciosos e sonhadores, e que quando arranjam emprego é por 500 euros…

Aumentar o salário mínimo poderá implicar dificuldades para algumas pequenas empresas, e até impedir a criação de novos empregos imediatos, mas também deverá contribuir para dinamizar a economia porque os que ganham menos poderão ter finalmente alguma disponibilidade para o consumo. E contribuir-se-á decisivamente para uma sociedade mais equilibrada e decente. 40 anos depois da introdução do salário mínimo em Portugal, não conseguimos sequer que o valor real hoje seja equiparado ao de 1974. 40 anos depois da Revolução vive-se muito melhor em Portugal, “nunca tantos tiveram tanto”, mas continua a haver muitos a viver com muito pouco. O grande desafio dos próximos anos será arquitetar novas formas de financiar um estado social em desagregação, mas sem o qual haverá muito mais pobres.

2. As comemorações dos 40 anos de Abril começaram mal, mas vão melhorando…

Os capitães de Abril, liderados por Vasco Lourenço, queriam ir à Assembleia da República participar na celebração da Revolução, mas só se os deixassem falar. A resposta era óbvia: não podem falar! A que responderam, com a altivez de “donos” do “25 de Abril”, que se não é para intervirem, não vão. Um amuo pouco Democrático e pouco apropriado para quem há 40 anos foi parte determinante na mudança de regime. Mas se Vasco Lourenço e camaradas estiveram mal no tom e na forma, que dizer da resposta da presidente da Assembleia da República, que num estilo brejeiro e desbocado, disse que o «problema é deles»? «Eles» foram os revolucionários, os que contribuíram para a queda de um regime fascista e para o emergir de uma democracia representativa.

Mas, deixando para trás o triste episódio, e o facto de, pelo segundo ano consecutivo, os “capitães de Abril” não estarem presentes na casa da Democracia, onde quem fala ou pode falar são os representantes eleitos democraticamente pelo povo, de realçar que o Expresso e a SIC organizaram uma extraordinária jornada sobre Abril – “25 de Abril, 40 anos depois” – um debate com os três primeiros presidentes da República, eleitos: Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Mário Soares, moderado por um ex-primeiro-ministro, Pinto Balsemão. A Internet permitiu que, mesmo à distância, pudéssemos ir seguindo um pouco do muito que ainda têm para dizer aqueles que protagonizaram decisivamente a instalação da Democracia em Portugal ou, como diria Soares, citando Sophia de Mello Breyner, «o dia inicial inteiro e limpo/onde emergimos da noite e do silêncio». Porque afinal «valeu a pena», mesmo que nem tudo seja perfeito como alguns sonhavam numa utopia irrealizável.

Os próximos dias terão muitos momentos para celebrar o que mudou há 40 anos, e sentir que valeu a pena fazer uma revolução, em nome da Liberdade, do desenvolvimento económico e da justiça social – valores que não são apenas os ideias de Abril, são universais, são de sempre e de todos.

Luis Baptista-Martins

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