Parece um número do prémio do Euromilhões, mas é tão só o número em euros que o Estado deve aos advogados portugueses que prestam apoio judiciário!
Se o leitor consultar o site da Ordem dos Advogados depara-se com um fundo negro e o número em crescendo com letras garrafais.
Já sabemos que estamos em crise, que os tempos estão difíceis, que o dinheiro não abunda.
Sabemos que temos TODOS responsabilidade no cumprimento das diretivas da TROIKA, que temos de apertar o cinto e o diabo a quatro.
Antes de entrar propriamente no tema deixem-me só enquadrá-los no mesmo.
O que é então um advogado?
O vocábulo deriva da expressão em latim ‘ad vocatus’, que significa o que foi chamado, que, no Direito romano, designava a terceira pessoa que o litigante chamava perante o juízo para falar a seu favor ou defender o seu interesse.
O advogado é uma peça essencial para a administração da Justiça e instrumento básico para assegurar a defesa dos interesses das partes em juízo.
E quando digo peça essencial quero dizer mesmo PEÇA ESSENCIAL (em maiúsculas, a negrito e em sublinhado), não estou a usar uma expressão metafórica nem tão pouco a agigantar a importância do mesmo, estou apenas a dizer que sem a “peça” a “máquina” não funciona. Bem se vê, então, a importância que o mesmo deveria (e reparem que digo deveria e não tem) ter na sociedade.
E o que é o apoio judiciário?
O Apoio Judiciário, modalidade do regime de acesso ao Direito e aos tribunais, é um Instituto que visa garantir que mesmo os mais desfavorecidos tenham acesso à Justiça, mediante o auxílio do Estado.
Este apoio apresenta quatro modalidades, a saber:
A dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
A nomeação e pagamento da compensação de advogado (a tal peça essencial);
O pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo;
O pagamento faseado da compensação de advogado.
Todos os que pretendam usufruir deste regime têm que demonstrar que se encontram em situação de insuficiência económica, isto é, que, tendo em conta fatores de natureza económica e a respetiva capacidade contributiva, não têm condições para suportar os custos de um processo, onde naturalmente, estão inseridos os honorários do advogado, que serão, como já vimos, suportados pelo ESTADO.
Agora que o leitor já está devidamente enquadrado, e para que não haja qualquer dúvida, dizer apenas que a “peça” é humana. Ou seja, o advogado é uma pessoa real, de carne e osso, e como tal necessita para a sua sobrevivência dos bens mais essenciais: comer, vestir, casa para habitar e todas as consequências financeiras que daí advêm, já para não falar que os mesmos também procriam e, por isso, têm igualmente FAMILIA com quem mantêm essencialmente laços afetivos, mas a qual têm de suportar, economicamente falando.
Aqui chegados, digo-vos que o Estado Português desrespeita, maltrata, denigre os advogados portugueses que prestam serviço oficioso aos cidadãos mais carenciados, não lhes pagando os honorários devidos pelos serviços que prestam desde, pasme-se, Dezembro de 2010!
O mesmo Estado que lhes cobra impostos vergonhosos, que lhes exige os pagamentos atempados de tudo e mais alguma coisa, cobrando juros de mora pelo incumprimento. O mesmo Estado que paga, sem pestanejar nem atrasos, assessorias a sociedades de advogados que cobram milhares de euros! O mesmo Estado que (meramente a título exemplificativo) paga atempadamente aos professores, “peças” essenciais na Educação, e aos médicos, “peças” fundamentais na Saúde!
Não obstante tudo isto, o enxovalho público aos Advogados inscritos neste sistema continua dia após dia.
Não obstante tudo isto, os Advogados continuam condignamente a trabalhar, sem receber, na defesa dos interesses dos cidadãos, por entenderem ser um dever evitar que os mais desfavorecidos sejam prejudicados por causa do incumprimento do Estado.
No entanto, trabalham com a expectativa de um dia serem devida e legalmente pagos.
Continuam a trabalhar, mas não a fazer voluntariado, simplesmente porque são cidadãos com necessidades próprias para a sua sobrevivência, como qualquer outro cidadão.
Esta crónica poderia ser um livro com muitos volumes com o tanto que há para dissertar, para informar, para alertar e lamentar sobre o assunto, mas é só uma simples crónica de quem tem muita vergonha da forma como se vê tratada pelo seu país.
De quem tem pouca voz para mudar o que quer que seja, mas de quem não tem pejo nem medo, absolutamente nenhum, de falar sobre um assunto que, no fundo, diz respeito a todos nós, simplesmente porque, como diz o outro, o medo é uma cena que a mim não me assiste.
No momento em que termino esta crónica o Estado deve aos advogados portugueses que prestam apoio judiciário 29.745.188,23€.
Por: Carla Freire, advogada
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