Durante vários anos, saí de casa a caminho da C+S de São Miguel sabendo de antemão que estava, ao virar da esquina, um grupo de raparigas ligeiramente mais velhas do que eu, que esperavam religiosamente que eu passasse para irem atrás de mim e se meterem com o meu precoce e genuíno gosto pela moda; a atitude era inegavelmente redutora, ofensiva e profundamente acutilante – aquilo de que atualmente tanto se fala e que conhecemos por bullying.
Todos os dias da semana, sem exceção, nos 14 minutos que demorava, de manhã, até à escola e nos 14 que demorava, à tarde, até chegar a casa, ouvia todo o tipo de comentários depreciativos. Recordo-me de me sentir entristecida, de sentir vergonha das colegas que estavam comigo, de ter receio que os rapazes ouvissem… Nos dias em que tinha teste de Matemática custava-me ainda mais e, naqueles em que estava em baixo, sentia-me absolutamente miserável. Também me recordo perfeitamente do dia em que os 14 minutos da manhã culminaram num episódio caricato. Uma das raparigas vem na minha direção, com um pequeno papel que comprovava que tinha mandado fazer uma bainha numa conhecida loja da cidade da Guarda, e diz-me sarcasticamente: «– Olha, eu também compro nessa loja, posso ser tua amiga?»
Eu nunca fiz seleção de amigos, simplesmente gosto de pessoas, e gosto delas e respeito-as exatamente como são. Sempre olhei para os que me rodeiam como iguais, independentemente dos seus gostos, da sua posição social, das suas opções de vida…, sendo que o meu coração tende sempre para quem mais precisa, ou não herdasse da mãe essa faceta tão bela de olhar o mundo.
Hoje em dia penso muitas vezes que aquela tortura por que passei não foi em vão. Adoro moda – estavam certas e não deixaram que isso me passasse despercebido! Aliás, acho agora que esses episódios francamente abomináveis, que poderiam ter trazido consequências muito graves e irreversíveis, me fizeram perceber quem realmente sou, aquilo de que eu mais gosto e que me faz feliz.
Não lhes estou certamente grata, nem poderia, simplesmente soube inverter a situação a meu favor e acredito que se eu o fiz (seja qual for a situação, seja qual for a intensidade, seja qual for o grau de humilhação e de sofrimento), todos os demais também conseguem.
Por: Joana Dente
* @pitangaboss
Jurista/ Fashion Stylist/ Makeup Artist