Está a fazer 15 anos que escolhi a Guarda para viver, depois de quase oito de ausência. Escrever para jornais conta-se entre as 15 coisas frequentes que fiz nesta terra onde nasci. Tinha começado aos 15 anos, em folhas escolares e em publicações semi clandestinas especializadas em sátira política local. N’O INTERIOR mantive na década passada uma crónica de 15 em 15 dias. Cheguei a saber de 15 leitores mais ou menos regulares. Hoje já seriam menos, porque alguns morreram e outros emigraram. Nas páginas deste jornal opinei sobre vários assuntos e partilhei algumas ideias que tinha para a cidade, no pressuposto de que a polis não era uma especialidade fechada mas uma causa comum e, até, uma obrigação cívica coletiva. Dessas reflexões (ou fantasias) recupero ou adapto 15. É preciso entendê-las, em 2015, no tempo e nos contextos em que foram escritas.
1. Rever o programa de reabilitação urbana que José Sócrates, ministro, ofereceu à Guarda. Deixarmo-nos de ideias extravagantes (funicular, túnel, memorial aos eméritos…) e, não tendo já remédio o semicoberto das abas de lona e havendo até dinheiro para expropriar fábricas e armazéns, transformar um destes espaços em pavilhão multiusos ou construir um, amplo, modular e, sobretudo, fechado e climatizado.
2. Redimensionar o futuro Parque Urbano. A primeira fase basta (e já vai ser uma dor de cabeça mantê-la). Os terrenos da segunda fase, ao longo da estrada do Rio Diz, devem ser destinados a equipamentos educativos: centro escolar integrado, futura Escola Profissional e zonas desportivas. Um campus do básico e do secundário, que fará uma ligação útil e harmoniosa entre a primeira fase do parque urbano e o IPG, no Zambito, junto ao qual será construído um complexo desportivo para ensino, treino e competição.
3. Uma nova cintura viária, verdadeiramente externa. Partirá da atual rotunda do Torrão pelo extremo sul da cidade, ligando a futura Plataforma Logística, seguindo na direção da Sequeira e fechando o círculo em direção à inacabada VICEG junto ao quartel dos Bombeiros. Com ligação ao centro (ou centros) através de alamedas novas, numa teia coerente.
4. Um hospital novo em vez de um novo hospital. De raiz e projetado para o futuro. A localização ideal é entre Alfarazes e o Barracão: zona plana, limpa de constrangimentos urbanísticos, com microclima, de fácil ligação à cidade e às vias de comunicação com o exterior.
5. Não havendo hospital novo e querendo manter a ideia romântica da requalificação do Sanatório para novo hospital, que não se cometa o erro de ir andando por fases. Pode acontecer que a primeira seja arrancada a ferros e depois a segunda fique para as calendas. Se vai haver um bloco novo, em vez de um edifício de dois pisos faça-se logo um de quatro, de maneira a acomodar um hospital inteiro.
6. Num caso ou noutro, com hospital dentro ou fora, faça-se da mata do Sanatório algo diferente: um parque cívico e administrativo. Governo Civil, Loja do Cidadão, Conservatórias e Finanças deverão ser as âncoras, ocupando alguns dos emblemáticos edifícios outrora hospitalares. Serviços desconcentrados da administração central que se encontram espalhados por andares arrendados serão ali também concentrados. Tudo do que o cidadão precisa estará a curta distância, com a centenária mancha verde a ser usufruída e havendo um grande parque de estacionamento no topo poente (perto da Cadeia e da VICEG), onde poderão também ser construídos os novos comandos distritais da PSP e da GNR. Há espaço para todos – e sem sacrificar uma árvore.
7. Mexer na cidade, sem complexos nem nostalgias. Há um planalto com quase dois quilómetros desde o Sanatório à Praça Velha. Que o trânsito se condicione e seja projetada uma ousada alameda para as pessoas. Removendo ou alterando os jardins José de Lemos e Frei Pedro – não têm que ser espaços sagrados e darão boas áreas para estacionamento subterrâneo.
8. O velho cineteatro deve voltar a ser a sala de espetáculos da Guarda, pois não faz sentido construir um teatro novo e deixar ali um caso mal resolvido. É evidente que não possui as dimensões adequadas aos novos padrões mas isso resolve-se através de uma intervenção destemida em todo o perímetro: a antiga oficina nas traseiras e o encalhado prédio Mourato devem ser adquiridos para formarem, em conjunto com o cinema, um “Bairro das Artes”, que acolha o grande auditório, um palco com dimensão para todos os espetáculos, uma boa galeria de arte, salas de exposições e o mais que um equipamento deste género deve oferecer.
9. O velho edifício da CGD e agora das conservatórias será um Café Concerto. Hard Rock Café ou o possível.
10. No prédio Mourato desenvolver-se-ão atividades que trarão dinâmica, atratividade e cosmopolitismo: ninhos de empresas, coworking, startups e ateliers.
11. Os dois últimos pisos serão o “cérebro” da cidade do futuro: um “think tank” formado por gente exaltada e exaltante, com especializações diversas ou apenas capaz de sonhar. Um grupo de trabalho a prazo ou sem termo, regulado ou à solta, mas que esteja permanentemente a prever, a rascunhar, a debater e a projetar. É trabalhar para a gaveta? Sim, e não deve haver complexos por isso. O importante é que quando cair dinheiro do céu sejamos os primeiros a apanhá-lo, por termos feito o trabalho de casa.
12. Cidade do Pecado. Idealmente situar-se-á entre o futuro Parque Urbano e a futura Plataforma Logística, com dois apeadeiros ferroviários revestidos a néon: Gata e Barracão. Por pecado entenda-se tudo: jogo (há uma licença por utilizar na zona da Serra da Estrela), afetos, prazeres vários. O armazém de tijolo vermelho no Barracão acolherá a zona mais hard, para adeptos da dor como meio de satisfação, do chicote à poesia sonora. Há nichos de mercado para tudo e em toda a Península Ibérica não existe uma Sin City.
13. Um dia a Delphi fecha. Se a velha fábrica da Renault não servir para terminal de transportes intermodal faça-se instalar lá, ou também, uma loja da Ikea. Mais do que não haver nenhuma na região centro, não existe nenhuma em Espanha até Madrid.
14. Se algumas destas medidas carecerem de resolução legislativa e ela tardar, os deputados eleitos pela Guarda entrarão em greve de fome.
15. Fala-se em pagarmos portagens nas autoestradas do Interior. Mas os distritos de Bragança, Castelo Branco, Guarda, Vila Real e Viseu têm, em conjunto, 25 eleitos na Assembleia da República. São necessários 116 votos para aprovar o Orçamento do Estado. Senhores deputados: fazei depender o vosso voto da suspensão da introdução de portagens na A23, na A24 e na A25. Se não obtiverdes acordo, votai contra. Se vos falhar a coragem, faltai ao dia da votação e sem aviso prévio.
Oxalá daqui a 15 anos releia este texto e consiga rir-me de mim próprio, embaraçado por ter voltado a publicar ideias tão pobrezinhas, sem ambição nem tempero. Em comparação, claro, com a cidade que a Guarda vai ser daqui a 15 anos.
Rui Isidro*
* Diretor da Rádio Altitude e antigo colaborador de O INTERIOR