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127 Latas

Não, não tem nada a ver com o filme ex-candidato aos Óscares, cujo título apresenta o mesmo cardinal em horas. O título é apenas um “teaser”. Agora que já prendi um pouco a sua atenção, prossigamos.

Junto a minha casa há uma escola e também um terreno público. Alguns alunos fazem uma caminhada diária, passando por esse terreno, entre a escola e um café que dista cerca de 500 metros. Vão lá, armados em gente grande, consumir o que a escola, felizmente, já não lhes proporciona: bebidas açucaradas à base de cola e derivados alaranjados, todos eles embutidos em latas de alumínio. Nada que um adolescente dos tempos modernos não goste de fazer. Têm a informação de que o seu consumo em nada os beneficia, engorda-os e contribui para a diabetes, mas a liberdade de escolha permite-lhes optar e eles, irreverentes como é seu apanágio, fazem-no. Dá-lhes prazer, ponto final. Uma cola, bebida entre o café e a escola, intercalada com umas batatas fritas salgadas ou umas tiras de milho e, no final ou entrementes, um cigarrito, transformam qualquer imberbe puto de aldeia num “american way of life boy”. O problema é que da América nem bons exemplos, nem boas práticas e, também à americana, aqueles recipientes são atirados ao longo do trajeto, sempre, como não podia deixar de ser, com um gesto de desprezo pelo meio ambiente e uma sensação de impunidade que faz de qualquer português, por mais covarde que seja, um valentão; – “Ó pra mim a deitar esta m***a aqui e ninguém a chatear-me!”.

Preocupante. Estamos a falhar, todos! Falhamos quando temos futuros adultos com práticas ambientalmente menos evoluídas do que os seus progenitores; falhamos quando nas escolas, chegado o fim do dia, vemos lixo deixado pelos alunos por todo o lado; falhamos quando, perante estas atitudes, ficamos calados e não repreendemos; falhamos quando atafulhamos os curricula com disciplinas inúteis e não educamos, a sério, para a cidadania e o respeito pelo ambiente e falhamos quando, obsessivamente, confinamos os nossos alunos à sala de aula, desligando-os da natureza (e não vale a pena contar que eles o façam aos fins de semana, porque aí chegam as maratonas televisivas ou de consola). O resultado está à vista, uma geração muito mais consumista e poluidora e menos saudável do que aquela que a precedeu. Reciclar, reduzir e reutilizar são palavras vãs, aprendidas em Ciências, para um grande número de jovens.

Voltando. Choca-me ver aquele terreno, recém-arborizado e com uma vista perfeita para a cidade, lentamente a transformar-se numa lixeira. As latas são às dezenas, mas não vou deixar acumularem-se mais. Lamento pelo imbecil que se desfaça de uma delas à minha frente. Lembram-se dos corretivos puxões de orelhas da nossa infância? Que bem que nos fizeram, como nos faziam crescer um bocadinho, na proporção das estrelas que ficávamos a ver quando no-las esticavam. Mas parece que agora tudo é agressão. Alguns psicólogos, psiquiatras e pedagogos da treta deram cabo dos modelos educativos tradicionais, que permitiam educar para a cidadania de uma forma menos vã que o atual. Agora é o que se vê: gente muito mal-educada (senso lato).

Ainda as latas. O principal componente das latas é o alumínio. Este metal é extraído a tiro ou escavado em minas de bauxite a céu aberto, muitas delas em solos tropicais desflorestados para o efeito, deixando enormes e insanáveis feridas na paisagem; depois de transportado, processado e fundido em lingotes, o alumínio é cilindrado e enrolado em enormes volumes, até chegar à fábrica de recipientes que fornecerá a fábrica de refrigerantes. Pelo meio fica um impacto ambiental brutal e uma mobilização de energia gigantesca à custa da queima de petróleo. Pense nisto na próxima vez que olhar para uma lata de alumínio, lembre-se que ficou cara ao planeta e o mínimo que deve fazer é permitir que esta seja reciclada.

Quando cada um de nós se consciencializar MESMO que é a soma de cada uma das atitudes individuais que resultará num melhor ambiente, aí deixaremos de ver latas, plásticos e garrafas de tara perdida espalhados por todo o lado.

Recolher 127 latas. Não se me afigura difícil. Não precisarei de 127 horas, nem de 127 minutos. Melhor seria que não tivesse que recolher nenhuma.

Por: José Carlos Lopes

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