Tendo em conta todas as evidências, não há dúvida que a democracia portuguesa atravessa hoje em dia a sua maior crise por autêntica condescendência do poder, no seu lado mais malévolo e oportunista, causando em todos nós um sentimento de revolta e frustração. Os buracos que a democracia deixou criar assemelham-se a um esburacado queijo suíço do qual alguns chico-espertos se vão aproveitando.
Isto é, o poder no seu melhor, na cumplicidade que, aos poucos, gera processos mediáticos como a “Operação Marquês”, verdadeiro golpe no Estado de Direito, contribuindo ainda mais para a desacreditação da justiça. E já agora que dizer das audições que têm sido levadas a cabo na Comissão Parlamentar de inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.
Numa completa amnésia psicogénica, um dos ouvidos, de seu nome Moniz da Maia, afirma solenemente por sua honra que não sabe, não se recorda, nem da dívida, nem do nome das empresas ou fundações associadas. É bom perceber que o Novo Banco vendeu por 6 milhões de euros a dívida de 538 milhões à empresa ou empresas deste senhor.
Ernst Tugendhat tem razão: «Quem não tem senso moral não pode envergonhar-se moralmente nem se indignar».
Este e outros processos deixam-nos completamente perplexos e abalados, pois, no meio de tanta aldrabice, vamos ser nós a pagar os mais de 1.300 milhões de euros de prejuízo, preparando-se o Novo Banco e o seu presidente, António Ramalho, para pedirem este ano mais 598 milhões de euros ao Fundo de Resolução, num banco onde são atribuídos prémios aos gestores no valor de 1,86 milhões de euros. Haja Deus…
Olhemos para o cantinho à beira mar plantado, nos seus brandos costumes e no contraste dos atuais dois milhões de pobres, na classe média que Passos pôs na miséria e Costa não foi capaz de fazê-la recuperar, que paga, quer queira quer não, toda esta panóplia de situações que a democracia deixou criar.
Com todos os valores em crise, com a cumplicidade do poder, com as vigarices de colarinho branco, com este cheiro a insanidade política, queixamo-nos que venha ao de cima um certo saudosismo latente, que, sem qualquer sustentáculo ideológico, mas de estratégia perversa, agarre um chorrilho de mentiras e algumas evidências à Monsieur de La Palisse, explorando as fragilidades do sistema, pondo em causa a Democracia e a Liberdade.
E assim, nesta encruzilhada do caminho, a pergunta torna-se pertinente: O que fazer? A resposta tem obrigatoriamente de ser dada por todas as instituições, por todos os protagonistas, que em verdadeira reflexão consigam alterar as regras e, com a urgência necessária, aprofundem e cimentem os valores e pilares do regime em que, felizmente, vivemos. Como diz o Presidente da República está nas nossas mãos. Acrescento eu: está nas mãos de todos.
Daqui a pouco mais de quatro meses vai cumprir-se mais um preceito da nossa democracia: as eleições para as autarquias locais. Numa autêntica azáfama política, no contacto pessoal, no porta-a-porta, preparam-se listas para as Câmaras, Assembleias e Juntas de Freguesia tentando encontrar os melhores. É interessante verificar as apostas que estão a ser feitas nalguns concelhos onde o travestismo existe: alguns laranjas a optarem pela rosa e quase outros tantos de rosa ao peito a beberem laranjina C.
O resultado é este:
Na Meda, se a situação não fosse tão ridícula tornar-se-ia hilariante. Em Foz Côa, os de rosa ao peito andam todos à batatada. Em Manteigas idem aspas, aspas. Em Celorico, todo o laranjal quer ir na lista candidata à Câmara. Finalmente, na Guarda, o poder está em cacos, partido, esmigalhado e, o que era político ontem passou a ser pessoal hoje, aguardando apenas para ver se o Chaves leva os escolhidos por Amaro ou se tem lista nova e, neste compasso de espera, o que faz o Sérgio, a Cidália e, já agora, se Couto apresenta as listas e, mais um e, se tem capacidade de inovar.
Pois bem, no meio deste turbilhão onde conseguimos descortinar muitas das fragilidades do sistema, felizmente também temos capacidade de constatar as verdadeiras, as autênticas virtualidades da nossa democracia. Pelo menos por cá…
Apostas que o poder permite e o bom povo paga
«Este e outros processos deixam-nos completamente perplexos e abalados, pois, no meio de tanta aldrabice, vamos ser nós a pagar os mais de 1.300 milhões de euros de prejuízo, preparando-se o Novo Banco e o seu presidente, António Ramalho, para pedirem este ano mais 598 milhões de euros ao Fundo de Resolução, num banco onde são atribuídos prémios aos gestores no valor de 1,86 milhões de euros»