Na semana passada, a Comissão de Inquérito do Novo Banco chamou à Assembleia da República Bernardo Moniz da Maia para esclarecer aquela comissão sobre os 538 milhões de euros que a Sogema, de que é administrador, deve ao banco. Pelo menos desde 2014 que a empresa está em incumprimento em relação a 535 milhões. A família Moniz da Maia é reputada e conhecida por fazer parte da nata da elite financeira e recebeu empréstimos de milhões de Ricardo Espírito Santo Salgado para comprar ações do BCP. O espetáculo a que se assistiu foi inenarrável, mas recomenda-se – o Ricardo Araújo Pereira glosou de forma sublime a mais deprimente representação que um profissional pode ter para aldrabar uma comissão inquiridora (ver em https://www.youtube.com/watch?v=kmnMbFzF3IM). No final, a única coisa relevante que se percebeu é que Botelho Moniz da Maia não tem património e declarou ter um automóvel, que afinal não é dele porque foi comprado em leasing. Mas o mais relevante, e que nos deveria interessar a todos, é a revelação final: «Há uma Fundação por trás…». O “milionário” não se lembrou do nome da fundação. Nem dessa, que entretanto passou a ser proprietária da empresa Sogema, nem de outra, porque afinal há mais do que uma. Tudo registado numa “offshore” nas Ilhas Virgens (colónia inglesa). «Há uma fundação por trás» foi repetindo cada vez que lhe era perguntado pelos registos das empresas às quais o BES foi emprestando milhões.
Gozar com quem trabalha é a especialidade de Ricardo Araújo Pereira, mas ali quem gozava era o «beneficiário económico» das empresas devedoras aos milhões, gozava com as deputadas que o inquiriam e gozava com os portugueses. Com todos os portugueses. E enquanto o público ria às gargalhadas (no programa da SIC), o líder do clã Moniz da Maia contorcia-se desprezando tudo e todos e exibia a sua eloquente soberba com uma máscara de analfabetismo ignóbil. «Uma fundação é da família e a outra é sua?», perguntava uma incrédula Mariana Mortágua, a que o senhor respondia, sem responder, «têm nomes parecidos», mas «não me recordo agora»…
Este é o mundo das fundações. Esta é a opacidade milionária de quem gere milhões, mas não sabe nada. Este é o mundo dos sanguessugas que criaram esquemas legalmente permitidos e com benefícios de toda a ordem. Este é o reino da maior aldrabice, do maior engodo, da maior mentira e do maior roubo que foi desenvolvido em Portugal: o negócio das fundações. Não há ninguém verdadeiramente esperto em Portugal que não tenha a sua fundação, a sua associação de ação social ou cultural, financiada pelo Estado, sem fins lucrativos, isentas de impostos e de uma opacidade exemplar. Podem fazer as leis de transparência que quiserem, que estes espertos sempre arranjarão forma de reter informação, de esconder o dinheiro, de registar em paraísos fiscais ou onde seja para ninguém saber o que andam a fazer.
Uma fundação é, por definição, uma criação dos seus fundadores, que oferecem o seu património para promover a sua atividade – «as fundações são organizações sem fins lucrativos criadas por iniciativa de uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas (fundadores) para a gestão de uma massa patrimonial que lhe é cedida definitivamente pelos fundadores e que deve ser substancialmente preservada, para a satisfação de certas finalidades de interesse social». Infelizmente, muitas delas comem à mesa do Orçamento de Estado e vivem encostadas ao financiamento público. Infelizmente, a economia social necessitada de apoios e da solidariedade de todos, convive com muito fartar vilanagem. Infelizmente, comem os justos pelos pecadores, mas a verdade é que a demissão do Estado das suas funções de apoio social e o abandono das suas obrigações levaram a que se desenvolvessem muitas instituições à volta de causas “nobres” e que depois acabam por conviver com um verdadeiro engodo social. É urgente mais transparência e mais controlo sobre as fundações e associações sociais. E é urgente que o Estado cumpra as suas obrigações sem andar a esbanjar dinheiro por estes empreendedores sociais que têm direitos desmedidos e apoios regulados mas excessivos.
No caso dos Moniz da Maia agregaram várias empresas insolventes, e sobre as quais assim deixaram de ter responsabilidade legal e financeira, em duas fundações sedeadas nas Ilhas Virgem britânicas. Outras, muitas, que pululam por aí, legais, excelentes, com esquemas bem urdidos, com projetos pagos pelo Estado, com a «promoção do desenvolvimento» financiado por candidaturas a fundos comunitários ou nacionais, com atividade diversa da cultura e da educação, com o negócio da inserção social, da solidariedade social e tantas outras formas de acesso à passadeira vermelha de fundos milionários.
O negócio de ser uma fundação
«Não há ninguém verdadeiramente esperto em Portugal que não tenha a sua fundação, a sua associação de ação social ou cultural, financiada pelo Estado, sem fins lucrativos, isentas de impostos e de uma opacidade exemplar»