No caso de Sócrates podemos por enquanto concluir muito pouco. Como ele próprio escreveu, ou alguém escreveu por ele, isto ainda agora começou. Algumas coisas podemos mesmo assim dar de barato.
A Justiça precisa urgentemente de um reforço substancial de meios. Não é admissível que para instrução criminal a comarca de Lisboa disponha apenas de dois juízes. Os juízes e os magistrados do Ministério Público deveriam dispor de peritos para os assessorarem em processos de especial complexidade ou de maior dimensão. O despacho de pronúncia do juiz Ivo Rosa tinha mais de 6.500 páginas e a acusação apresentada pelo Ministério Público tinha também milhares de páginas. A investigação, a ser bem feita, implicaria viagens ao Brasil, à Suíça, a França, ao Brasil e à Venezuela. Pelo menos. Em vez disso, foram enviadas cartas precatórias para as autoridades judiciais desses países e uns foram mais colaborantes do que outros mas, em qualquer dos casos, este método atingiu resultados discutíveis num prazo inaceitável.
Ao fim de sete anos estamos apenas a meio do processo: falta receber e julgar os recursos sobre a decisão instrutória, repetir ou não a instrução e, caso não seja repetida e se avance para julgamento, os arguidos vão ter prazo, certamente alargado, para contestarem, requererem novos meios de prova, e pedirem a inquirição de mais testemunhas e a realização de perícias. Podem crer que serão ouvidas muitas dezenas, senão centenas, de testemunhas. Se acham que a instrução demorou demasiado, esperem pelo julgamento!
Mas não veremos o fim do processo com o julgamento em primeira instância. Teremos a seguir os recursos sobre a decisão que saia daí: para a Relação de Lisboa, primeiro, para o Supremo Tribunal de Justiça, depois, para o Tribunal Constitucional, em último lugar. Posso garantir-vos que os advogados irão aproveitar todas as instâncias de recurso possíveis, com ou sem razão, de forma tecnicamente correta ou forçada.
Até pode ser que o Tribunal da Relação de Lisboa reverta daqui a um ano ou dois a decisão instrutória de Ivo Rosa, na parte em que ele declara prescritos os crimes de corrupção ou arquiva os de fraude fiscal, mas, com todos os passos que ainda faltam até tudo estar findo, quando transitar em julgado a decisão final aí estará tudo de certeza prescrito.
É por isso também essencial que se revejam as regras sobre prescrição do procedimento criminal. Não é aceitável que estes crimes prescrevam em cinco anos (ou em sete anos e meio, de acordo com a regra do artigo 121.º, 3, do Código Penal, que acaba por anular algumas das salvaguardas do sistema).
Vai ser também necessário rever a necessidade da fase de instrução, que acabou por se tornar numa espécie de julgamento antecipado mas que não dispensa o julgamento propriamente dito. Se Sócrates e os restantes arguidos quiserem, todas as testemunhas que foram já ouvidas podem vir a sê-lo outra vez. Esta fase deveria ser reservada para casos em que a inocência do arguido ou a improcedência da acusação seja evidente, deveria ter meios de prova limitados e garantir uma decisão rápida, mesmo que sumária: afinal, o arguido tem ainda o julgamento para se defender.
Finalmente, deveria ser punido o enriquecimento ilícito. Há casos em que a corrupção se não consegue provar (qual o ato concreto que a PT comprou a Sócrates?), mas consegue provar-se que o arguido enriqueceu injustificadamente e não forneceu uma explicação cabal para essa riqueza. É verdade que o ónus da prova dessa ilicitude deverá pertencer à acusação, mas a Associação Sindical de Juízes apresentou uma solução que parece resolver os problemas de constitucionalidade: o suspeito tem a obrigação de mostrar a origem da riqueza, sob pena de, não o fazendo, cometer um crime.
Manter tudo como está irá tornar a corrupção um crime impossível de combater. Na Chicago dos anos 30 do século passado, a Justiça só conseguiu colocar Al Capone atrás das grades por fraude fiscal com o argumento de que não tinha pago impostos correspondentes às suas manifestações de riqueza. Foi há 90 anos e foi uma solução de recurso, mas ele morreu na cadeia. Em Portugal teria ficado em liberdade até que tudo estivesse prescrito.