O barulho dos cascos nas calçadas da Guarda atraiu as atenções de todos os transeuntes na passada sexta-feira, dia de S. João, sobretudo das crianças. Os mais curiosos abriram as janelas das suas casas, enquanto outros vieram às portas das lojas espreitar. Na verdade toda a gente ficou surpreendida com os cavalos que calcorrearam a cidade mais alta. Por ruas e vielas, trajados a rigor ou não, com cavalos brancos, castanhos ou malhados, os cerca de vinte cavaleiros, jovens e velhos, percorreram quase todos os cantos da cidade, desde o antigo matadouro até à feira, passando pela Sé Catedral e a Alameda. Para uns, foi a primeira vez, para outros foi o retomar de uma tradição.
«Ó mãe, porque é que os cavalos estão à frente da Sé?», perguntou um miúdo à jovem mãe, que encolheu os ombros, tão admirada quanto o filho. Já os mais velhos, debaixo dos balcões da Praça Velha, recordaram que nos anos 80 havia uma Associação de Criadores de Cavalo da Guarda e que, por tradição, vinham à Guarda no dia de S. João. «Juntavam-se no antigo quartel do RI 12, onde hoje está o Teatro Municipal da Guarda, e depois palmilhavam toda a cidade», recorda João Cláudio Madaleno, um dos cavaleiros que ainda se recorda desses tempos. «Lembro-me de vir à feira a cavalo quando tinha dez anos», acrescenta. Mas naquele tempo havia uma associação e um espaço próprio para os cavalos, pois às vezes, nesta altura, ficavam por cá «dois ou três dias», refere. Entretanto, os mais novos do grupo foram para a faculdade e os mais velhos envelheceram, pelo que a associação acabou por desaparecer. Mas na tentativa de a reorganizar, um grupo de amantes de cavalos lembrou-se de retomar esta velha tradição. Reuniram-se alguns dos antigos membros e outros vieram da zona raiana, ao todo estiveram na cidade cerca de vinte cavaleiros de todas as idades. Desta vez, os cavalos ficaram instalados no antigo matadouro, junto à rotunda da Ti Jaquina, disponibilizado pela autarquia para a circunstância.
Mas, para além desta iniciativa ocasional, os cavaleiros desejam igualmente recuperar a própria Associação de Criadores de Cavalo da Guarda, «ou outra do género», avança João Cláudio Madaleno. Basta arranjar um espaço e conseguir cativar mais elementos para relançar esta velha actividade e reanimar a associação. De resto, esta iniciativa foi «um pretexto para incentivar os mais jovens para esta paixão e reunir os amantes de cavalos do distrito», adianta. António, de 7 anos, veio com o pai de Aldeia Velha e participou pela primeira vez nesta convivência tradicional. «Estou a gostar muito», confessa o miúdo envergonhado, mas muito à vontade em cima do alto cavalo. O mais novo cavaleiro do grupo não se recorda da idade com que começou a montar, diz apenas que era «muito pequeno» e que na altura o animal estava «muito quietinho». «Este ano reiniciou-se a tradição», diz, com orgulho, João Cláudio Madaleno. Antigamente, todos os agricultores da região vinham à feira de S. João, havia muitos animais, alfaias agrícolas e outras ferramentas para a actividade rural. Por isso, «dezenas de elementos da associação vinham à feira a cavalo», justifica. Mas o convívio também permitiu alguma vertente educativa, já que muitos miúdos aproximaram-se dos cavalos, «fizeram festas e algumas crianças até montaram pela primeira vez», conta.
Patrícia Correia