Em 1975, quem não fosse de esquerda era fascista. Usou-se tanto a palavra para insultar quem estivesse do outro lado da barricada que acabou por perder o seu significado. Sá Carneiro era fascista, Soares era fascista, o CDS era fascista e o PCP era social-fascista. Só o MRPP não seria fascista, mas muitos dos seus militantes e dirigentes acabaram por migrar para partidos como o PSD e o PS – partidos fascistas. Em certa medida, pensando bem, eram todos fascistas.
A palavra gastou-se tanto que deixou de ser insulto, mas já era diferente chamar-se a alguém nazi. Nazi era insulto mesmo e só meia dúzia de lunáticos se reclamavam desse campo.
Os partidos e movimentos populistas de direita vêm aproveitar ideias que em surdina se espalham pela sociedade, sem cobertura declarada por nenhum partido do chamado “sistema”: a xenofobia, o racismo, o nacionalismo, o desejo do regresso da pena de morte ou, pelo menos, da prisão perpétua, a ideia de que os políticos são todos corruptos e é indispensável encontrar um homem forte que possa proceder a uma limpeza geral. Tudo isto aproxima-se muito de algumas ideias-chave do nazismo, mas ninguém parece agora muito incomodado. Le Pen, o pai da Marine que é agora tão amiga de André Ventura, negava o holocausto. André Ventura, por sua vez, quer uma “solução final” para os ciganos e, se não advoga o seu extermínio, quer pelo menos o seu confinamento.
Trump, por sua vez, fez crer aos americanos pobres e desempregados que a sua pobreza se devia aos estrangeiros que lhes roubavam os empregos e que a solução dos seus problemas passaria pela construção de um muro no Sul, impeditivo da chegada dos emigrantes. Em todo o seu mandato seguiu a velha máxima de Goebbels, segundo a qual uma mentira repetida muitas vezes acaba de se transformar em verdade. Também de reminiscências nazis é o seu racismo e o apoio que sempre deu aos supremacistas brancos, bem como o seu desejo de perpetuação no poder, a bem ou a mal. O assalto ao Capitólio da semana passada é um autêntico “putsch”, que nos recorda também os grupos paramilitares nazis e a sua estratégia para chegar ao poder em que, a partir de uma eleição normal, quando os nacional-socialistas ganharam nas urnas o direito de governar, embora em minoria, obtiveram depois pela força o poder absoluto. Precisarei de recordar a ascendência alemã de Trump?
Aqui chegados, parecemos à beira de vários abismos. Um deles é a chegada às eleições de gente que não renega os sítios escuros de onde vem, nem a origem das sua ideias. Trump, Bolsonaro, Le Pen, Orbán, Putin, Erdogan, Ventura e outros têm objetivos comuns pouco recomendáveis e todos chegaram ou querem um dia chegar ao poder. Quando lá estiverem, será muito difícil serem desalojados. É verdade que todos eles dizem alguma coisa que agrada a muita gente: muitos gostariam, por exemplo, de uma tarifa plana para o IRS de 15%, sobretudo se quem tem rendimentos baixos ficasse isento. O problema é que esta é a cenoura com que se alicia o burro e que o burro vai ter de comer para sempre o resto da ementa, mesmo aquilo de que não gosta ou em que não pensou.