1. Nestes tempos estranhos e difíceis de pandemia há momentos que ainda nos surpreendem. Porque «mais importante que o destino é a viagem», como nos ensinou Eduardo Lourenço, num momento de dúvidas extraordinárias, em que os números de infetados disparam e a falta de planeamento põe a nu a nossa completa incapacidade para prever, depois de meses de confinamento “parcial”, voltamos ao ponto de partida sem ter aprendido nada.
A ignóbil atitude da generalidade das pessoas que continuam a passear-se por aí como se não houvesse um vírus à espreita em cada contacto , em cada movimento ou em cada saída; a irresponsabilidade generalizada na quadra natalícia com encontros familiares massivos, com acolhimento de familiares emigrados, com celebrações como se este fosse o último Natal; a permissividade governativa e das autoridades, que acabaram por permitir que na passagem de ano se viajasse por todo o lado quando supostamente era proibido sair do concelho, levaram ao aumento exponencial de contatos e novos infetados pelo novo coronavírus. Agora, teremos de fechar tudo. Por um mês ou mais (e cada mês custa cinco mil milhões de euros).
Com os bares fechados há meses, com os restaurantes, o pequeno comércio e as microempresas na ruína, a economia vai soçobrar; as moratórias vão cair sobre as empresas com estrondo e as medidas até agora adotadas vão ser mera maquilhagem para as necessidades. O Estado vai ter de financiar diretamente as empresas e os trabalhadores para as pessoas poderem viver. Já não é apenas uma questão de apoiar a economia, de salvar empresas ou manter empregos, é uma questão de sobrevivência.
2. A chegada de vacina contra a Covid-19 foi decisiva para o relaxamento generalizado. E tudo foi feito ao contrário: Portugal optou, erradamente, por iniciar a vacinação junto dos técnicos de saúde, devia ter feito como a maioria dos países do nosso “contexto” e começar pela população mais idosa e com debilidade imunitária. Devia ter começado pelos lares, onde as pessoas mais frágeis estão mais expostas, e pela convocatória generalizada das pessoas de “risco”. Mas o “lobby da saúde” é extraordinariamente forte e, entre heroísmos anedóticos e prémios, impôs-se como sempre.
3. O início de vacinação a idosos na Guarda começou pelo lar da Misericórdia. Apesar da iminência de confinamento agressivo e do crescimento inacreditável do número de infetados e mortes por Covid-19, das recomendações e regras da DGS, o ajuntamento de políticos, dirigentes das instituições, repórteres, fotógrafos e “técnicos de saúde” à volta do primeiro idoso a ser vacinado foi arrepiante: Mesários, Presidente da Câmara, vereadores, presidente e membros do CA da ULS, delegado de saúde… (o jornal O INTERIOR não acompanhou o momento) Passada a feira de vaidades do espetáculo nacional da vacinação a médicos parece que as pessoas com responsabilidades ainda não perceberam que estes ajuntamentos são um péssimo exemplo e um foco de contágio.
4. O Estado de emergência prevê liberdade para votar – se podemos ir às compras porque não haveríamos de poder votar? Há muito que a data está definida, há muito que se sabia que neste período haveria uma segunda ou terceira fase da pandemia. E há muito que os políticos deviam ter definido formas de votar em pandemia. Ou adiado as eleições.
5. Os debates televisivos entre candidatos à Presidência da República permitiram conhecer melhor o seu pensamento (ou a falta dele). Como escreveu Miguel Esteves Cardoso, ainda bem que temos Marcelo.