Daqui a 51 dias vamos ser chamados a escolher o próximo habitante do Palácio de Belém, cumprindo deste modo o preceito constitucional e, quiçá, tradicional de janeiro ser o mês das presidenciais em Portugal. Foi assim em 1986, 1991, 1996, 2001, 2006, 2011, 2016 e assim vai ser em 2021.
Numa sumária análise, nesta democracia que sabiamente soube dosear competências, fazendo com que o regime assumisse o princípio de distribuição de poderes, 50% pelo Parlamento e os outros 50% pelo Presidente, com respeito e independência por todos os outros, o equilíbrio e equidistância necessária em relação a credos e religiões, eis chegado o momento de dar uma vista de olhos pelas eventuais candidaturas conhecidas:
Ana Gomes, André Ventura, Bruno Fialho, Carla Bastos, João Ferreira, Marisa Matias, Orlando Cruz, Paulo Alves, Paulo Patinha Antão, Tiago Mayan Gonçalves, Vitorino Silva e, a mais provável e previsível, Marcelo Rebelo de Sousa.
Destas 12 personagens apenas nos devemos centrar em oito delas, pois são aquelas que (quase) de certeza entregarão até ao dia de Consoada, no Tribunal Constitucional, as 7.500 assinaturas necessárias para a sua inscrição no boletim de voto. Assim:
Ana Gomes, depois de ser lançada pelos excluídos de Costa, diz candidatar-se pelos portugueses e quer trazer à Presidência um novo alento, transparência e seriedade (bem precisa).
André Ventura é o tal lobo com pele de cordeiro. Sabe utilizar como ninguém a conversa da treta, repleta de lugares-comuns, desbobinando argumentos saloios, utilizando o sistema para afirmar que é contra, com a finalidade de ser mais um a aproveitar-se dele para impor as teses popularuchas, fascistas e hipócritas de Abascal e Marine Le Pen.
Bruno Fialho é atualmente o presidente do PDR e considera-se o candidato mais ao centro e aquele que está em melhores condições de ser o mais abrangente no quadro político português.
João Ferreira, como militante, dirigente e seguramente futuro secretário-geral do PC, continuará a defender as teses do seu partido: melhores condições de vida, defesa da classe operária e da luta dos trabalhadores.
Marisa Matias quer um regime que responda à pandemia social, uma banca e um SNS ao serviço do povo e do país. Recorde-se que, em 2016, Marisa, ultrapassou a fasquia dos 10%.
Tiago Mayan Gonçalves é dirigente da Iniciativa Liberal, quer ocupar o espaço político do atual PR, captando grande parte do seu eleitorado pois, segundo ele, Marcelo «abdicou de ser presidente».
Vitorino Silva (Tino de Rans), tal como Marisa Matias, não é novo nestas andanças. Com mais de 3% dos votos em 2016, Tino afirma ser o candidato mais genuíno com uma candidatura de gente simples, onde a qualidade impera.
Fica para último a análise à candidatura do atual PR, que pode muito bem ser apresentada na próxima semana.
Desde que se sentou na cadeira maior do país, Marcelo iniciou no primeiro dia de presidência a sua campanha eleitoral para um segundo mandato, apostando num mundo cor de rosa, onde as “selfies” e o nacional porreirismo imperaram, percebendo-se que, para além da coscuvilhice e oportunismo político, foi legislador, governante, jurista, juiz do Tribunal Constitucional, estratega politico, jornalista, comentador, líder partidário, numa visível apropriação de todos os pilares republicanos, marcelizando por completo o regime, numa fúria descontrolada, levando-o inclusive a viver num permanente “reality show”, extravasando, de forma perfeitamente ridícula, todos os poderes que constitucionalmente lhe estão atribuídos.
Costa, por seu turno, teve em Marcelo o seu melhor aliado ao ponto de ambos serem atores daquele deplorável espetáculo que protagonizaram na Autoeuropa e que culminou no apoio encapotado e mais que esperado por parte do primeiro-ministro.
Com 52% dos votos expressos em 24 de janeiro de 2016, as sondagens dão a Marcelo uma eventual vitória (recorde-se que até ao lavar dos cestos é vindima), mesmo percebendo que o segundo mandato nunca será igual ao primeiro e, aí sim, na eventualidade do atual PR ser reeleito, Costa poderá não dormir descansado. Marcelo assumirá (quase de certeza) a sua verdadeira costela de Rebelo de Sousa. Com chega pra cá ou pra lá, com o exemplo dos Açores, com Rio e o PSD de cabeça perdida pela visão do poder, vai ser o lindo e o bonito.
Com a esquerda completamente em fanicos, houve toda a possibilidade de existir um candidato consensual, uma série de nomes com perfil para o lugar e, assim, fazer tremer Marcelo. Seguindo o princípio de tudo ou nada, há coisas que não percebo, enquanto há outras das quais tenho absoluta certeza.
Uma das que (ainda) não sei é em quem vou votar. A outra, sei, com completa convicção, é em quem não vou votar e, independentemente dos ataques à democracia que iremos ver e ouvir, com impropérios, chantagem e estupidez da extrema-direita fascizante, o regime, mesmo com as palermices e precipitações de Rio (é pior a emenda e está a revelar-se tão mau como o soneto), irá seguramente manter-se republicano, laico, semiparlamentar e semipresidencial.