Há dias o The New York Times publicava um artigo curioso sobre se recordaremos como dar abraços depois da pandemia, quando a distância social desaparecer. Como bem sabemos, dar abraços também é uma questão cultural, e são muito diferentes os abraços latinos dos anglo-saxões, mas do que não temos dúvidas é que passados sete meses sobre a chegada da Covid-19 já nem sabemos abraçar… Aquele artigo, no fundo, ia muito para lá da expressão do carinho e familiaridade dos abraços, perorava sobre a saudade em relação à forma como nos relacionamos e de como vivemos neste “novo normal”. E concluía com uma reflexão nostálgica extraordinária: Que bonita era a aborrecida democracia.
A democracia que assenta em pressupostos básicos tantas vezes desvalorizados e até esquecidos. E são mais esquecidos quando a vivemos e assumimos de forma tão natural que nem nos damos conta que a podemos perder. Mas é precisamente essa “distração”, esse desprendimento, que faz da democracia o melhor dos regimes – até podemos não fazer nada para que a liberdade e a igualdade de direitos estejam asseguradas. Porém, por vezes, há golpes na democracia e há atropelos nas liberdades que nos deviam obrigar a estar mais alerta.
O assassinato de um professor em França às mãos do radicalismo islâmico mostrou, uma vez mais, o ódio que muitos nutrem pela liberdade de expressão – Samuel Paty nas suas aulas mostrou as caricaturas de Maomé do jornal satírico “Charlie Hebdo” e acabou decapitado. E de como o melhor dos regimes vai apodrecendo por dentro, por garantir a liberdade a todos, mesmo aos que semeiam ódio e atacam constantemente as liberdades e a igualdade que a democracia consagra
A punhalada mortal em Paris não vai limitar a liberdade de expressão consagrada na sociedade ocidental, mas devia fazer-nos interrogar sobre o que fazemos no nosso dia-a-dia pela opinião livre e plural com que aprendemos a viver e que não queremos dispensar. E não ter de fazer nada ou não termos de refletir sobre o assunto é, seguramente, a maior vitória dos valores herdados da Revolução francesa.
A imprensa é, por excelência, o último refúgio da liberdade de opinião. É aqui que não tergiversamos, que não abdicamos do direito de informar e ser informados de forma plural e livre, muitas vezes cometendo erros e exageros, mas sempre procurando contribuir para uma sociedade mais esclarecida e plural, mais livre e democrática – não há igualdade, nem democracia, sem liberdade de expressão e sem uma imprensa livre.
Neste ano difícil, de pandemia, em que as liberdades parecem ser coartadas e diminuídas em nome de um suposto bem comum, a vida, a nossa e a dos outros, não podemos claudicar perante opressões e totalitarismos.
No próximo sábado vamos apresentar o livro O INTERIOR – 20 ANOS, 20 AUTORES, depois de enorme adiamento motivado pelos medos e receios do novo coronavírus. É uma obra de memória, jornalismo e história contemporânea. E é um retrato dos acontecimentos, da vida, dos últimos 20 anos na Beira Interior. Mas é também uma obra de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão de 20 pessoas que colaboram com este jornal. Os últimos moicanos no deserto do interior.
Os moicanos de O INTERIOR
«O INTERIOR – 20 ANOS, 20 AUTORES, é uma obra de memória, jornalismo e história contemporânea. E é um retrato dos acontecimentos, da vida, dos últimos 20 anos na Beira Interior»