Por um dia, a Guarda foi a “capital” da Península Ibérica. Oito ministros portugueses e dez espanhóis reuniram no passado sábado para cimentar as boas relações bilaterais e procurar caminhos de entendimento para o futuro. António Costa, primeiro-ministro de Portugal, e Pedro Sánchez, presidente do governo espanhol, presidiram a duas comitivas que tinham a missão de promover entendimentos transfronteiriços para a região mais subdesenvolvida da Europa, a raia, dos dois lados da fronteira.
Como comentei no sábado em ointerior.pt (ver https://ointerior.pt/opiniao/de-madrid-a-guarda/), a ligação entre Bragança e Puebla de Sanabria, que finalmente vai ser uma realidade e permitir que a capital transmontana fique ligada à Europa por comboio de alta velocidade, ou o troço de Moraleja a Monfortinho são os pontos de partida para uma aproximação viária que há muito as populações reclamam. Mas é na saúde, com o reforço da eficácia do 112 ou a possibilidade de um cidadão da Raia poder ser socorrido ou tratado na unidade de saúde que esteja mais próximo de qualquer dos lados da fronteira, que podem mudar o dia-a-dia dos raianos após esta cimeira. A criação de um documento único de circulação para padronizar a passagem de menores na fronteira, a institucionalização da figura do trabalhador transfronteiriço (uma realidade tão efetiva e só agora reconhecida) ou o lançamento de uma rede de escolas bilingues na Raia são outras das medidas desenhadas pela ministra Ana Abrunhosa e a sua secretária de Estado Isabel Ferreira para serem implementadas a partir de agora. Mas o mais importante é que, pela primeira vez, ficou assumida uma estratégia comum para a fronteira entre os dois estados.
Pedro Sánchez chegou à Guarda para apanhar ar fresco e repousar da sua “guerra” em todas as frentes. O governante espanhol relevou a Cimeira mas não aportou nada de estruturante para mudar o atraso castelhano e extremenho da Espanha “vaciada” e contribuir para uma raia mais desenvolvida – as cimeiras com a França têm sempre dois dias e muito mais assuntos e programas de interesse comum (a fronteira franco-espanhola tem 623 quilómetros desde o Tratado de Bayonne em 1868), com Portugal resume-se a um dia, apesar de a fronteira ter 1.214 quilómetros desde o Tratado de Badajoz de 1801. Do lado português, e para além da confirmação das boas relações, as ideias e medidas necessárias para contrariar o despovoamento e a pobreza continuam ausentes. A “bazuca” de 12 mil milhões de subvenções da Europa a Portugal e 72 mil milhões a Espanha não chegaram à cimeira da Guarda e o investimento estruturante ficou fora das principais cogitações entre os dois estados.
A ferrovia vai passar ao lado da Guarda – foi (re)posta na agenda a futura linha de alta velocidade Aveiro-Viseu-Salamanca. A Guarda que se distraiu na Linha da Beira Baixa, ficando fora da futura ligação rápida de Lisboa à Europa pela Covilhã, poderá reivindicar uma estação distrital para Vila Franca das Naves ou Vilar Formoso.
Estranhamente, na Guarda, havia quem declarasse aos quatro ventos que esta era uma «oportunidade para a Guarda». Não, nem tinha que ser. Esta era uma oportunidade para os dois países terem não apenas uma estratégia para a fronteira, mas para o desenvolvimento das zonas de fronteira.
A Guarda foi o palco e o protagonismo, em circunstâncias normais, até podia ser relevante, em época de pandemia serviu para elevar a autoestima e pouco mais. Sabe a pouco.