No passado fim-de-semana, como não tive vontade de ir à Festa do Avante!, fui cautelosamente até ao site do Avante! A visita ao sítio da internet do jornal do PCP deixou-me até um pouco nostálgico. Já não frequentava um lugar com tantos comunistas desde que saí de casa dos meus pais, e deixei de estar nos serões que faziam com amigos.
No editorial do Avante!, fiquei a saber que «as correias de transmissão do grande capital» se andaram a esfalfar para chatear os festivos comunistas. Se tenho dúvidas no significado real da afirmação, em termos de figuras de estilo, aprecio muito a metáfora da industrialização. A quem tem inspiração num manifesto de 1848 não se pedem referências à nanotecnologia.
Num raro acordo com os comunistas, também eu poderia ter escrito esta frase. «O que pretendem, a coberto da epidemia e da estratégia do medo, tentar condicionar a sua realização, não por razões de protecção sanitária mas porque querem impedir a associação das medidas de protecção sanitária (…) à fruição da vida». A minha única discordância política nesta afirmação é a ausência de uma vírgula entre “sanitária” e “mas”. Até a palavra “protecção” aparece escrita como sempre escrevi e escreverei. São camaradas que não confundem a acção (com dois CC) com o fim da Revolução (só com um).
No separador Ficção, ou como é designado pelo Avante!, a secção Internacional, a notícia de abertura é uma declaração do Ministro da Comunicação e da Informação da Venezuela assegurando que as eleições de Dezembro serão transparentes e credíveis. Dar como garantidas as declarações de um ministro de Maduro é como acreditar na resposta de uma criança de 5 anos à pergunta “Quem é que partiu o jarro azul que estava em cima do móvel da entrada?” Mas, para ser justo, o maior problema das eleições na Venezuela talvez seja elas serem mesmo transparentes e credíveis. Ao contrário de outros ditadores de quem o PCP gosta (ver próximo parágrafo), o regime venezuelano permite vitórias eleitorais da oposição. Mas como as eleições são transparentes, toda a gente fica a saber quem são os candidatos da oposição que são eleitos. Ora, assim fica mais fácil para a polícia apanhá-los antes de tomarem posse (ou depois, se for preciso).
Na secção Saudades da RDA, aqui chamada sinteticamente Europa, conta-se que os estadistas Putin e Lukashenko se reuniram para «ampliar em todas as áreas a cooperação mutuamente vantajosa», e que Putin reconheceu a legitimidade das eleições bielorrussas. Se um ex-agente do KGB acha que foi tudo limpinho, limpinho, quem é o PCP para discordar? E para o Avante!, milhares de pessoas na rua são agit-prop do Ocidente, um boicote à actividade económica e a tentativa de paralisação do Estado. Isto em Minsk. Na Atalaia, é o contrário.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia