Um grupo de cidadãos, incluindo Passos Coelho e Cavaco Silva, subscreveu um manifesto pelas “liberdades de educação” em que defende o direito à objeção de consciência na matéria da “disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento”. Segundo esse grupo de cidadãos esse direito é consagrado no artº 7º da Lei de Bases do Sistema Educativo, que determina que «são objectivos do ensino básico […] n) Proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral».
Em primeiro lugar, tenho de apontar um abuso na interpretação jurídica dessa norma. A salvaguarda da liberdade de consciência, que existe em todas as matérias e não só na educação para a cidadania, não é mais, neste contexto, do que o reconhecimento do direito do aluno (não dos pais) a fazer juízos de valor sobre o que lhe ensinam na escola. Por isso, a valoração que o nosso sistema de ensino faz sobre o espírito crítico dos alunos não pode ser transmudado num direito dos pais destes em recusarem o que o sistema tem para lhes dar.
Um leitor do jornal “Público” (Manuel Henrique Figueira, de Palmela) especulava no passado domingo sobre se os subscritores do manifesto teriam conhecimento dos conteúdos da disciplina. Deu-se ao trabalho de o reproduzir nestes termos, que dou por bons: «1º Grupo – Obrigatório para todos os níveis e ciclos de escolaridade (porque se trata de áreas transversais e longitudinais): Direitos Humanos; Igualdade de Género; Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde. 2º Grupo – Trabalhado pelo menos em dois ciclos do ensino básico: Sexualidade; Media; Instituições e participação democrática; Literacia financeira e educação para o consumo; Segurança rodoviária. 3º Grupo – Com aplicação opcional em qualquer ano de escolaridade: Empreendedorismo; Mundo do Trabalho; Risco; Segurança, Defesa e Paz; Bem-estar animal; Voluntariado».
O problema parece ser, como sempre, o sexo. Os meninos não vão aprender segurança rodoviária porque, horror, podem ter de aprender também que a pilinha não serve só para fazer xixi. Ou que se tiverem um colega homossexual isso não é mau. Ou que se uma menina sente que talvez seja antes um menino, pese embora o que consta do seu registo de nascimento, isso não é motivo para ser saco de pancada dos “bullies” da escola.
Se os pais não concordarem com aquilo que a escola ensina, têm o direito, decorrente da tal liberdade de consciência, de ensinar aos filhos aquilo que acham estar certo e pode divergir dos manuais escolares. A acontecer como pretendem os autores do manifesto, as crianças vão “aprender” em casa o que acharem os seus pais sem ser dada à escola a possibilidade de exercer o contraditório e de proporcionar aos jovens uma versão diferente. Vamos ver pais a ensinar que as vacinas provocam autismo, ou que a terra é plana, ou que a homossexualidade é pecado e os professores não vão poder apresentar-lhes os pontos de vista contrários.
É triste que aquilo que não passa da reclamação de um direito a viver segundo os preconceitos seja também uma forma de os perpetuar. Assim não há evolução da espécie. Se não educarmos os nossos filhos de acordo com os valores que aceitamos na Constituição da República estes valores não se vão transmitir naturalmente, de geração em geração. Há valores que temos hoje como pacíficos e não o eram antes, e pelo nascimento e consolidação desses valores se aboliu a escravatura e se instituiu o sufrágio universal. O manifesto mais não é do que a tentativa de perpetuação de valores que a consciência moral da sociedade quer eliminar e não passa por isso de um estertor.
Para isto mais valia Cavaco Silva ter permanecido no seu sepulcro. Quanto a Passos Coelho, estou convencido de que não percebeu muito bem do que tratava o manifesto, se é que o leu mesmo – e isto é um elogio.