P-Já tinha afirmado publicamente que não iria pagar a multa de 500 euros, que o Ministério Público exige a todos os membros da Plataforma Pela Reposição das SCUT na A23 e A25, em sequência da marcha lenta organizada em 2018. Está preparado para ir a julgamento?
R- Em primeiro lugar quero dizer que me parece tudo muito estranho, uma coisa muito “mal amanhada”, como se costuma dizer. Não estou apenas eu acusado e, portanto, quando fiz uma tomada de posição sobre esta matéria consciencializei essa tomada de posição com os restantes membros da plataforma. Portanto aquilo que está dito, está dito em nome da plataforma e não em nome individual, porque o processo abrange um conjunto de pessoas que integram a plataforma e das organizações que as mesmas representam. Portanto, quando eu digo que este processo é um processo estranho é porque efetivamente não percebemos onde é que se baseia a apresentação da queixa e muito menos percebemos porque é que o Ministério Público lhe está a dar seguimento. Assim sendo nós não podíamos ter outra atitude – e quando digo nós é porque estamos todos a tomar a mesma atitude – que não fosse dizer ao Ministério Público (MP) que não aceitamos a sua proposta e que o MP verá se entende dar seguimento a esta acusação e ir a julgamento. Portanto nós estamos perfeitamente disponíveis para ir a julgamento demonstrar o quão injusta é esta acusação.
P-Ou seja, caso haja essa decisão aceita esse “agravamento” da situação?
R-Não se trata de um agravamento, trata-se de o Ministério Público entender que não tendo nós aceitado a sugestão, digamos assim – porque se trata de uma sugestão, não se trata de uma multa – de pagar aquela multa ou trocar por trabalho comunitário, não iria a julgamento. Ora nós, como não cometemos nenhum crime, não violámos a lei portuguesa, entendemos que não temos que aceitar coisíssima nenhuma e portanto o tribunal decidirá se temos razão ou não temos razão.
P-Já que refere esse ponto de que não foi cometido um crime…Sabemos que, à altura do protesto, foi requerida autorização para realizar a marcha lenta. Qual foi então o argumento apontado pela PSP?
R- Numa marcha lenta nem sequer tem que haver autorização. Aliás nas manifestações não tem que haver autorização, há uma comunicação. Ora bem, não se tratou de uma manifestação, como toda a gente na Guarda pôde observar – a comunicação social inclusive – não houve estacionamentos de carros em locais onde não pudessem estacionar, porque senão a polícia presente tinha que multar e não multou. Não ultrapassámos os limites de velocidade previstos na lei, que são 50 km/h dentro das localidades, portanto trata-se de uma marcha lenta por natureza, porque quando se entra numa cidade não se anda em altas velocidades. A única coisa que houve – que não é propriamente uma manifestação – é que alguns carros iam sinalizados com dísticos contra as portagens. Foi a própria polícia que se pôs à frente da marcha lenta, que orientou a marcha lenta, e que determinou qual era o nível velocidade que levávamos, que seria sempre abaixo de 50km/h. Portanto a marcha lenta está feita por natureza. Então, os polícias que iam à frente também teriam de ser multados, porque eles é que iam a impor o ritmo. Tudo isto é caricato até porque na cidade da Covilhã, na cidade do Fundão, na cidade de Castelo Branco, fizemos iniciativas idênticas, com os mesmos moldes, os mesmos formalismos e não houve problema nenhum. Não tivemos nenhum policia nem a autuar-nos nem a presentar queixa. Aliás eu costumo dizer que este processo consiste num abuso de poder por parte de quem mandou apresentar a queixa, por parte de quem a apresentou e por parte de quem lhe dá seguimento. É um contrassenso, uma tentativa de limitação das liberdades.
P- Mas então qual foi o argumento apresentado pela PSP?
R- Que se trata de uma manifestação quando não há manifestação nenhuma. Uma “manifestação não comunicada nos termos da lei”, quando não houve manifestação nenhuma, como se sabe. Uma manifestação só o é verdadeiramente quando interrompe o trânsito, isto é, se uma organização qualquer quiser fazer uma manifestação que corta trânsito, que impede a circulação dos automóveis, nessa altura há uma manifestação, e então ela tem que ser comunicada nos termos da lei, para quê para que a polícia tome as devidas providências para regular o trânsito. Ora numa marcha lenta não há corte de trânsito. Ou se quisermos num buzinão – nem sequer é numa marcha lenta, é um buzinão – não há corte de trânsito. E portanto, quanto muito há um chamamento de atenção em andamento, em trânsito normal. É tão simplesmente isto, mas só as mentes ainda com laivos fascistas é que podem entender que isto é uma violação da lei.
P- Já tinha referido anteriormente que considera esta multa uma “intimidação” ao protesto e à luta da Plataforma. Acredita que é uma tentativa efetiva de desmobilizar a contestação?
R- Se é uma tentativa de desmobilizar estão completamente enganados… agora que é tentativa é. Ou seja, é uma tentativa canestra de intimidar, para ver se nós abrandamos nas ações de protesto que for necessário realizar. E há-de reparar que a reanimação deste processo, que esteve para lá parado não sei quanto tempo (é de 2018, veja lá!), vem exatamente numa altura em que a plataforma, através da voz de um dos seus integrantes, disse que se for preciso cortar a A23, corta. Portanto, imediatamente a seguir a estas afirmações que passaram na comunicação social, vem de novo este processo. Portanto tudo indicia que o que se pretende é dizer: “vejam lá no que é que se metem que nós estamos cá”. Bem, podem estar o tempo que quiserem, estejam à vontade. Nós, não violando a lei, nunca a violaremos, como não violámos na Guarda, nós vamos fazer os protestos que entendermos que são necessários e que sejam oportunos. É tão simplesmente isto.
P-Portanto não vão parar qualquer tipo de protesto e planeiam novas iniciativas?
R- É claro que não, então era agora isto que nos fazia recuar? Estão enganados. Quem pensa isto está completamente enganado. Eu sei que aí na Guarda há quem ache – porque já houve um processo anterior – que só pode haver manifestações a favor do poder, que só pode haver manifestações de opinião a favor do poder, seja ele qual for. Quando se trata de denunciar aquilo que consideramos errado no poder que aí já é perigoso. Portanto já tivemos um antecedente aí na Guarda e, portanto, estamos bem à vontade para perceber o que é se pretende atingir, mas não vão conseguir.
P-Ou seja, vai haver, de facto, novas iniciativas?
R-Estamos a aguardar que a Sra. Ministra da Coesão Territorial diga o que pretende fazer em relação às portagens, que diga efetivamente qual é o modelo de reduções que disse que seriam aplicadas no terceiro trimestre, mas em que o terceiro trimestre está a chegar ao fim e ainda não é conhecida, mas que diga finalmente qual é o modelo, com um a garantia: se for um modelo que foi tornado público em fevereiro deste ano não tem a nossa concordância e vai ser objeto de contestação. Se não vier no terceiro trimestre, como foi dito, já está tarde. Vai ter contestação na mesma, portanto [tudo] vai depender daquilo que o governo vier a anunciar para as portagens.