Espaços

Escrito por Albino Bárbara

“São estas e outras histórias, com história, que devem e têm de ser trazidas às páginas dos nossos jornais, de tantas mulheres e homens desta cidade e região que embelezam a magia de ser Guardense (…)”

O Museu Regional da Guarda abre as suas portas no longínquo 30 de julho de 1940. Os atuais responsáveis decidiram, e bem, comemorar a efeméride (80 anos de atividade) fazendo coincidir os 150 anos do nascimento do poeta Augusto Gil.
Dizia Alphonse Karr, num dos seus epigramas, que «Os poetas nascem (quase todos) na província e vão morrer à capital». Com Augusto Gil não foi assim. O poeta nasce em Lordelo de Ouro (hoje, União de Freguesias de Lordelo e Massarelos), Porto e, faz praticamente toda a sua vida na cidade da Guarda (os pais eram ambos do concelho de Celorico da Beira), ficando sepultado na cidade do coração.
Quem entra no cemitério principal da Guarda, outrora espaço e igreja de Nossa Senhora do Templo, depara-se com o primeiro mausoléu à esquerda que é o descanso eterno de Augusto Gil. Na frontaria pode ler-se o verso que o poeta escreveu sobre a morte no poema “A Assunção”: «E a pendida fronte, ainda mais pendeu e a sonhar com Deus, com Deus adormeceu».
Parafraseando Ladislau Patrício: «Augusto Gil foi um cultor helénico da forma e da beleza pura. Como poeta um amoroso de temas simples, naturais e humanos. Como homem a personificação da modéstia, o paradigma da bondade humilde».
E… depois da monarquia veio a República. Gil, de saúde fraca, em plena glória e em completa miséria. Conta Ladislau que um amigo envia para publicação no jornal “O Século” um apelo ao governo provisório da República para que houvesse uma ajuda à precária situação do poeta. Ele leu aquilo, respondeu de imediato, e em carta dirigida à redação do jornal diz que a jovem República «não tem obrigação de amamentar poetas líricos e o Terreiro do Paço não é asilo para artistas desamparados». Como republicano convicto que era pede que não lhe seja entregue qualquer recompensa e termina, escrevendo: «Mal do país e mal da República se todos os democratas portugueses se julgassem, pela só razão de o serem, com direito a um subsídio do magro tesouro nacional».
A cidade reconheceu toda a convicção e talento e no Largo João de Deus ali está a sua musa inspiradora. Num dos lados do pedestal, extremamente malcuidado e visivelmente maltratado, está inscrita, em letras que mal se enxergam, uma quadra que retrata toda a sensibilidade do poeta: «Que a todos chegue a virtude/ Toda a boca tenha pão/ Toda a nudez cobertura/ Toda a dor consolação».
Recordo, agora e aqui, um episódio que me foi relatado pelo grande escritor Monteiro da Fonseca, quando ambos colaborámos no jornal da Casa da Cultura “Lancia Oppidana”. Contou-me o bom do professor, natural da Torre (Casal de Cinza), que quando acabou de escrever o seu primeiro livro “Sobre as Ondas”, em 1922, teve necessidade de pedir a alguém que lhe desse uma vista de olhos, procedendo assim à sua revisão. Jovem professor, com apenas 26 anos, foi aconselhado a falar com Augusto Gil. Um pouco a medo, dirigiu-se ao Café Mondego e ali mesmo encontrou-se com o poeta da “Balada da Neve”. Confessou-me que foi uma tarde diferente, extremamente agradável, onde algumas correções foram feitas, de forma simples, estabelecendo-se uma cumplicidade que Monteiro da Fonseca nunca esqueceu.
Pois bem… o texto já vai longo. Em jeito de comentário tenho de dizer que são estas e outras histórias, com história, que devem e têm de ser trazidas às páginas dos nossos jornais, de tantas mulheres e homens desta cidade e região que embelezam a magia de ser Guardense e engrandecem o engenho e arte de ser português.

Sobre o autor

Albino Bárbara

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