1- A acusação entretanto conhecida no caso BES confirmou Ricardo Salgado como o “acusado disto tudo”, mas não só. O antigo banqueiro é hoje por hoje também uma espécie de “culpado disto tudo” e um saco de pancada nacional, condição partilhada com o agora mais esquecido José Sócrates.
As reverências laudatórias durante décadas prestadas a Salgado deram lugar às tareias mediáticas dos últimos cinco anos. Mas o tiro ao alvo contra o ex-líder do clã Espírito Santo não acontece porque as pessoas se sintam verdadeiramente enganadas ou porque estejam plenamente convictas da sua culpa.
Acontece, tão somente, porque Salgado caiu, e com estrondo, em desgraça. E se há desporto nacional em que somos bons é o de bater em quem está nas ruas da amargura com o mesmo vigor com que lambemos as botas quando no alto do pedestal esteve.
E isto não é assim apenas no caso de figuras mais mediáticas. No distrito da Guarda, o ex-presidente da Câmara de Trancoso, durante longos anos acriticamente beatificado, até por (alegados) adversários políticos, é hoje enxovalhado até pelos outrora mais fiéis súbditos.
A lógica que consiste em saudar poderosos e esmagar fragilizados é a mesma. Só muda a escala. Naturalmente, não se trata de um exclusivo nacional, mas, por cá, o hábito de obedecer ao “dono” persiste demasiado inculcado, sobretudo comparando com a realidade em democracias mais sólidas e maduras e com os espíritos mais liberais que elas produzem.
2- A acusação supracitada teve ainda o condão de trazer de novo à praça um José Maria Ricciardi obstinadamente ofendido porque a deputada Mariana Mortágua ousou pôr em causa o alegado desconhecimento daquele sobre as falcatruas no GES e no BES.
Com a atitude nada polida que uma educação de elite nunca disfarçou, Ricciardi, de dedo em riste, clamou pelo desaparecimento da petulante bloquista. O banqueiro quer mostrar-se uma espécie de Espírito Santo redentor e, bem ou mal, justa ou injustamente, parecemos aceitar isso com subalterna compreensão. Se algum dia também ele cair em desgraça, muitos virão lembrar que Mortágua teve sempre razão.
3- Rui Rio não gosta de escrutínio e considera-o dispensável, quando não desprezível. Estranho democrata. Que não gostava de escrutínio jornalístico já se sabia, sabe-se agora que passa melhor ainda sem escrutínio parlamentar.
Mesmo gasto, é válido o argumento vindo da mais antiga democracia, onde o primeiro-ministro britânico vai semanalmente ao Parlamento debater, com a oposição, o estado da arte e as opções políticas mais sensíveis.
No Reino Unido, ninguém imagina extinguir este instrumento crucial para aproximar a ação política dos cidadãos e que é instrumental para a oposição desempenhar efetivamente o papel devido, independentemente do desgaste que isso possa causar ao líder do governo.
Indiferente a isso, e sem surpresas, Rio encontrou no PS o parceiro ideal para acabar com os debates quinzenais, uma perda de tempo que o líder do PSD argumenta impedir o primeiro-ministro de trabalhar. António Costa agradece, a democracia empobrece.