Estão identificados os cinco maiores credores da Gartêxtil. À falta de elementos e de representantes da empresa da Guarda-Gare encerrada desde Maio de 2002, o advogado dos trabalhadores indicou ao Tribunal da Guarda a Caixa Geral de Depósitos (CGD) mais quatro funcionários da fábrica de confecções para poder dar andamento ao processo de falência. Deverá agora ser constituída uma comissão de credores, que, ao que tudo indica, será provisória, pois é previsível o aparecimento de outros credores que não foi possível apurar nesta fase dada a «ausência de dados de contabilidade e de gestão» da empresa, adianta António Ferreira.
«Sabemos que a CGD é credora por ouvir e ler na comunicação social, enquanto o caso dos trabalhadores é o mais flagrante porque foram lesados directamente. Os restantes desconhecemos, mas acreditamos que possam aparecer entidades como a Segurança Social, o Fisco, fornecedores e muitos outros», refere o advogado, desconhecendo ainda uma data para a sentença de falência. «O caso vai ser moroso e complexo, porque não dispomos de quaisquer documentos sobre dívidas, empréstimos ou letras que possam ter sido contraídas pela Gartêxtil», acrescenta António Ferreira. Mas avizinha-se já uma nova luta pelo pagamento das indemnizações devidas à maioria dos funcionários. Certo e sabido é que aos cerca de 170 trabalhadores que resistiram até ao fim reclamam perto de um milhão de euros, mais outros valores acumulados por indemnizações. Por apurar está a dívida à CGD, que detém alegadamente uma hipoteca sobre o terreno em que está implantada a fábrica. Uma situação que pode transformar aquele banco no credor principal com base num acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que considera inconstitucional a prioridade dos créditos dos trabalhadores num processo de falência com hipotecas à banca. Uma sentença de 2002 tem vindo a fazer jurisprudência em casos semelhantes e foi aplicada no processo das Confecções Ranking, no Soito (Sabugal), em Novembro do ano passado.
O TC considera que os trabalhadores deixam de ter prioridade na reclamação dos créditos em detrimento das entidades bancárias, que passam a estar na primeira fila para garantir a cobrança da respectiva dívida. Os operários, esses, terão que se contentar com o que sobrar. O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) recorreu a esta decisão para validar a argumentação da CGD de que a prioridade concedida aos trabalhadores «afecta gravemente os legítimos direitos do credor hipotecário com registo», uma vez que, ao serem colocados em primeiro lugar, estão-se a violar os «princípios da confiança e segurança, proporcionalidade e igualdade» previstos na Constituição, porquanto os créditos dos funcionários da Ranking não podem «ser oponíveis a quaisquer direitos reais anteriores ou posteriores aos débitos garantidos», isto é, à hipoteca. Resultado, a Caixa poderá vender o edifício para liquidar a dívida da empresa. A situação da empresa de confecções da Avenida de São Miguel é em tudo semelhante à da Ranking. A Gartêxtil não tem património financeiro e imobiliário para pagar dívidas e indemnizações, o imóvel está hipotecado à CGD e há grandes probabilidades de que venha a ser vendido para pagar dívida do banco. Quanto às indemnizações esperadas há quatro anos pelos trabalhadores, elas serão pagas com base na verba que resultar da venda da maquinaria e veículos registados em nome da sociedade ou quaisquer outros bens móveis.
História por apurar
O fraco sector industrial da Guarda entrou em crise em Maio de 2002 com o fecho inesperado da Gartêxtil, uma das principais empregadoras do concelho. A administração da empresa da Estação demitiu-se de funções, numa altura em que já não tinha encomendas nem tecido em armazém, deixando as cerca de 190 trabalhadoras no desemprego. Foi o fim de muitas ilusões para empresários e funcionários, que viveram uma moratória de quatro anos desde que a Carveste adquiriu, em 1998, a Gartêxtil. Todas as aspirações desabaram na fábrica de confecção após quinze dias de férias forçadas, quando se tornaram por demais evidentes os sinais de uma crise inadiável por muito mais tempo.
O futuro ficou definitivamente comprometido no dia 3 de Junho desse, data em que deveriam regressar ao trabalho. As trabalhadoras, a maioria das quais com mais de dez anos de empresa, alguns casais, ficaram sem alternativas e foram para o desemprego sem receber o subsídio de férias em atraso desde o ano passado e com o mês de Maio por pagar. A administração alegou na altura que a Gartêxtil não tem dinheiro para os últimos salários, mas garantiu que ia tentar aderir a mais um plano de recuperação de empresas. Cenário que não deu quaisquer resultados práticos. Depois de vários anúncios de abertura e propostas de aquisição, alguns trabalhadores decidiram processar a administração. Nove funcionários, que se despedirem com o fundamento de salários em atraso, moveram uma acção judicial afim de tentar reaver os salários que já não recebem desde Maio de 2002. O Tribunal de Trabalho da Guarda notificou os últimos responsáveis da empresa da Guarda-Gare para regularizar a situação, mas o processo veio devolvido com aviso de recepção e a justificação de que teria sido nomeado outro administrador, neste caso, Francisco Cabral, dono da Carveste.
Mas após ter sido marcada uma nova auditoria para ouvir ambas as partes, o processo voltou a parar, uma vez que o empresário alegou ter rescindido com a empresa e que por isso já não fazia parte do seu Conselho de Administração aquando do encerramento. E perante a inexistência de um CA da Gartextil – ou impossibilidade de identificar os seus elementos -, o tribunal requereu a citação dos mesmos via edital, nas Junta de Freguesia da cidade e na imprensa local, com o objectivo de encontrar uma entidade ou alguém que represente a administração. O que também não foi possível. Resta agora o juiz decidir pela condenação da empresa, que será obrigada a pagar as indemnizações devidas aos trabalhadores. Por apurar está também o que se passou na empresa para que tenha fechado ao fim de quatro anos após injecção de mais de 1,8 milhão de euros (370 mil contos) de apoios, atribuídos pelo IAPMEI, e de um processo de recuperação durante o qual o seu passivo foi drasticamente reduzido e com prazos de pagamento a longo prazo (10 anos), tendo os trabalhadores abdicado de 90 por cento das suas remunerações em atraso.
Luis Martins