«Se não houver uma travagem às barbaridades que, consciente ou inconscientemente, têm sido feitas, dentro de 15 anos deixaremos de ter património rural». O alerta foi dado por José Afonso, director regional do IPPAR (Instituto Português de Património Arquitectónico) de Castelo Branco, no Dia Nacional dos Centros Históricos, comemorado na última segunda-feira em Linhares da Beira.
O arquitecto considera urgente estancar o avanço da «construção ilegal», uma situação «alarmante» e «comum» a todas as Aldeias Históricas e centros históricos da Beira Interior. «Todos os dias, em todo o lado, acontecem casos desses. É uma espécie de polvo», sublinha. Linhares da Beira também não escapa a esta triste realidade, uma vez que se trata de uma Aldeia Histórica «lindíssima e muito importante», mas que apresenta «aspectos descaracterizadores» no seu património. Por isso, o Dia Nacional dos Centros Históricos foi também aproveitado para uma acção de esclarecimento junto da população local com o intuito de trocar «pontos de vista» sobre «alguns problemas» da aldeia. Aliás, de modo a travar a crescente descaracterização patrimonial que tem afectado Linhares, o IPPAR avançou, no final do ano passado, com a proposta de classificação de toda a área urbana da Aldeia Histórica. Esta medida implica que não poderá ser feita qualquer edificação, demolição, alienação ou expropriação, restauro ou transformação, sem autorização do IPPAR. Uma solução que deverá ser posta em prática noutras localidades, pois José Afonso indica que «são muitos os casos em curso, mas é preciso sobretudo formação, sensibilização, responsabilização e empenho».
Prefere não avançar por enquanto com um caso concreto, afirmando que «todo o património, os centros históricos, as zonas históricas, tudo está enquadrado nesta política», embora o «ideal seja não ser preciso definir faixas e zonas de protecção». O director regional do IPPAR realça ainda que a classificação não tem só um efeito de preservação e de «retardar a destruição», mas surge também como um factor de «promoção», isto para além de que numa Aldeia Histórica classificada os proprietários das casas estão isentos de imposto autárquico.
«Laxismo» das instituições no combate ao ilegal
José Afonso frisa que o património é um «importante recurso para o desenvolvimento sustentado», capaz de atrair muitos turistas, daí que seja necessário ter o «máximo de cuidado» nas intervenções que se fazem sob pena de «destruirmos esta autêntica “galinha dos ovos de ouro”». Para o arquitecto, «é preciso, de uma forma muito rigorosa e cuidada, não deixarmos que o nosso património seja devastado e destruído», sublinhando a utilidade de acções de pedagogia junto de escolas, populações, arquitectos, engenheiros e construtores. É que alguns dos «factores de descaracterização» que têm afectado as Aldeias Históricas resultam do «laxismo das instituições no combate ao ilegal» e da «ignorância cultural e técnica», por vezes, mesmo dos próprios arquitectos, já que as suas intervenções devem ser «minímas e discretas». Um exemplo prático desta situação são as portadas exteriores ou os parapeitos de mármore polido. Por outro lado, «quando estamos a zelar e a intervir no património, temos que o fazer de uma forma coerente e correcta, o que pressupõe a existência de políticas de projecto e de obra que não existem em Portugal há muitas décadas», lamenta.
«Infelizmente, não há política de urbanismo em Portugal. É miserável, é uma vergonha o que se passa neste campo. O que há é uma política de desresponsabilização sistemática de todos os agentes», critica. Quanto ao futuro, avisa que este panorama tem que mudar porque o país está a atingir um «nível preocupante de degradação em termos de imagem», dizendo-se «esperançado» que o novo Governo encare este problema «frontalmente». Mas nem só de pontos negativos vivem os centros históricos da região: «Em todos eles está a despontar qualquer coisa que se sente, forças que querem apostar, valorizar e estancar o lado negativo e promover o lado positivo», enaltece o director regional do IPPAR de Castelo Branco.
Ricardo Cordeiro