Às vezes, invejo quem acredita em coisas tão estapafúrdias como energias positivas/ negativas, laváveis e do género. Para mim, que só conheço “limpeza” em energia gerada pelo vento, sol ou água e o negativo/ positivo das pilhas, tudo se resume a tretas. Contudo, reconheço que quem acredita deve ter profundos e intrínsecos argumentos e, sobre esses, nem considero opinar por já saber o que me esperava e ter mais com que me entreter. Pretendo ficar então pela invejosa que às vezes sou, explicando já que vezes foram essas: todas aquelas em que alguém ousou desejar sorte a mim ou a qualquer dos meus. Deixei sempre descambar a compostura e só não me estalou o verniz, porque quem me conhece sabe que não é coisa que costume usar. Chamem-me o quiserem, mas por muito que me esforce nunca consegui interpretar tais votos como desejos sinceros de que a vida me corra bem. Assim que acabam de expelir a última sílaba, desnudo-lhes a malvadez e só vejo alguém que me tem em tão pouca conta que vê na sorte a única maneira de me safar na vida. Não sei se isto me acontece como consequência de algum trauma de infância ou por pura inabilidade social, seja como for, esta mania não se me descola da pele. Facto que explicará a minha indignação ao ler, na imprensa internacional, as múltiplas explicações, com destaque para a situação geográfica, para o “milagre” português, só por estarmos a lidar agora com a pandemia, até ao momento, melhor que inúmeros países, alegadamente mais desenvolvidos e preparados que nós. Para quem não consegue reconhecer nos outros um milímetro de capacidade a mais que a sua, qualquer sucesso mínimo é consequência da sorte. Neste caso da pandemia, já é o superlativo de sorte: um grande milagre.
Será que, depois do que passámos para sair o melhor possível da intervenção musculada da troika, há ainda quem não queira ver-nos como realmente somos? Até parece que, dê por onde der, haverá sempre alguém disposto a menorizar a nossa capacidade só para não termos reputação diferente da que interessa a quem está mortinho por nos emprestar dinheiro. Se, na hora da verdade, as nossas competências forem muito enfatizadas, aonde é que depois vão arranjar argumentos para nos imporem juros exagerados. Não é por nada, mas parece-me que de milagre em milagre alguém nos tenta ludibriar. Infelizmente, quer cá parecer que, nesta empreitada, contam não só com os nativos do costume como também com os estrangeiros da vizinhança. Por cá, não falta gente que persista em replicar as críticas externas em infindável tentativa de nos convencer que, basicamente, não passamos de uma horda de calaceiros. Felizmente, a maioria de nós, nesta como noutras situações, vai-lhe dificultando cada vez mais a tarefa. Sim, porque além de sermos mais educados e simpáticos, pelos vistos também somos mais eficientes. A prová-lo está o “milagre” que inventaram só para não nos reconhecerem como tal. Agora, convém é que não nos ocorra beatificar alguém à sombra disso.