Voltámos ao figurino habitual nas provas de corta-mato do Desporto Escolar. Após a experiência frustrante do ano passado, em que a organização foi entregue a uma empresa, alguém teve o bom senso de recuperar o modelo que vinha dando bons resultados. Devolveu-se a organização à Associação de Atletismo da Guarda (com a colaboração dos professores de Educação Física que acompanharam os alunos/atletas) e como seria de esperar, pelo menos sob o ponto de vista técnico, a organização da primeira fase do corta-mato distrital foi um êxito. Na prova, realizada em Almeida, as classificações saíram a tempo, o controlo de voltas foi eficaz, as partidas e chegadas bem delimitadas e as entregas de prémios na subida ao pódio a decorreram com toda a normalidade e nos “timings” apropriados. Desta vez não foram necessários “chips” nem sofisticados programas de classificação. Foi necessário, isso sim, a experiência e o “calo” de quem está habituado a organizar provas de atletismo. Num tempo em que tanto se fala de grandes reformas, de privatizações e de gestões empresariais, num discurso que tende a colocar tudo em questão, esta demonstração de que as estruturas tradicionais funcionam (embora a sua acção deva sempre ser aperfeiçoada e optimizada) deveria servir como exemplo para muitas outras áreas de actividade.
Mesmo num dos poucos aspectos em que à prova se podem apresentar defeitos, refiro-me à atribuição de prémios aos alunos e às equipas/escolas intervenientes, tivesse a estrutura (Desporto Escolar) dotado a organização dos meios que no ano anterior foram dados à empresa organizadora e estou convencido de que as deficiências não se fariam notar. Mas como o óptimo é inimigo do bom, numa apreciação global pode então dizer-se que o desporto escolar no que diz respeito ao corta-mato cumpriu com valor o objectivo com que foi criado. Como um programa de detecção e selecção de talentos, talvez o mais participado e o mais abrangente de todos os que existem no desporto português, cabe realçar-lhe as virtudes mas também apontar-lhe os defeitos. E os defeitos vêm no “a posteriori”. Que aproveitamento é feito dos resultados dos corta-matos? Que encaminhamento e enquadramento é proporcionado aos jovens que nessas provas despontam para o atletismo? Há dias, em conversa com o director técnico regional fiquei a saber que na Guarda não há enquadramento técnico possível, para as atletas que pretendam treinar e seguir as pisadas das campeãs. Deita-se assim fora todo um trabalho que começa na escola e termina nos corta-matos distritais e nacionais. Mais grave ainda. Enquanto em Portugal não se aproveitam os talentos evidenciados nestas provas, nos outros países criam-se centros de formação de alto rendimento para que os seus atletas possam evoluir e aproveitar ao máximo as aptidões. E os nossos jovens, que muitas vezes revelam capacidades mais do que suficientes para serem apoiados, acabam por ser esquecidos e acabam eles próprios por se desmotivar e por engrossar o grande pelotão dos sedentários. Ou então, só se fizerem como o Francis Obikwelo, que teve de procurar em Espanha o que aqui não lhe foi dado. Para assim conquistar uma medalha de prata nos jogos olímpicos, que no fundo, mais do que orgulhar deveria fazer corar de vergonha.
Por: Fernando Badana