P – Em 20 anos, o que mudou na saúde no interior após a inauguração do Centro Hospitalar da Cova da Beira?
R- Em 20 anos muda muita coisa e no interior mudou ainda mais. A criação desta estrutura levou a que houvesse uma mudança do paradigma da medicina e da saúde na região. O que nos distinguia relativamente ao litoral era um atraso. Tínhamos estruturas caducas que não eram atrativas para os profissionais e os próprios doentes não se sentiam bem. E por isso a criação deste espaço e desta instituição levou a que houvesse quase um “boom” relativamente ao que existia antes. Evoluímos muito em 20 anos, mas além das melhorias nas instalações e serviços, houve uma modernização de tudo o que é a medicina e a saúde. Também melhorámos muito em termos de recursos humanos, embora nós – e a Guarda, Castelo Branco, Bragança, Vila Real, etc. – tenhamos sempre muita dificuldade em captar recursos humanos qualificados. Mas se lhes mostrarmos a nossa cultura, as nossas condições de trabalho – nós disponibilizamos uma creche nas nossas instalações, por exemplo – talvez lhes consigamos fazer ver as diferenças positivas entre litoral e interior. Temos de mostrar o que temos de bom e sei que O INTERIOR também defende essa perpetiva. Estamos na Cova da Beira, não estamos na Cova da Iria. Não estamos de joelhos, mas sim de pé a reivindicar aquilo a que temos direito.
P – Refere que temos de ser atrativos para captar recursos humanos, mas muitos jovens médicos que se formam na região alegam que o principal obstáculo é a falta de vagas na especialidade. Como se combate este problema?
R-Isso é verdade. O que defendo é que as vagas têm de estar todas abertas para que as pessoas possam optar. Se não as abrirmos de certeza que não vem ninguém. Além disso, deve-se ter o cuidado de abrir, no mínimo, duas vagas para uma especialidade, enquanto que os hospitais do interior devem ter mais vagas do que nos grandes centros. Isto porque as alternativas ao serviço público também são aqui muito menores e por isso estas zonas devem ser mais protegidas.
P – Considera que o facto deste Centro Hospitalar ser classificado como “Universitário” trouxe nova vida à instituição? Ou é algo que carece ainda de mais desenvolvimento?
R – Esta ligação à UBI pode ser mais aliciante, até porque também nos obriga a ser melhores, a estudar mais e estar em atualização constante, pois os alunos exigem muito mais de nós. Isso traduz-se na melhoria da qualidade e logicamente na melhoria da assistência aos doentes. Mas não se pense que é a Faculdade que, só por si, vai valorizar os hospitais, porque ela depende mais de nós do que nós dela. Tem que haver uma simbiose entre as partes e uma união entre os hospitais. Não estou interessado em que venham para este centro médicos de Castelo Branco ou da Guarda… O que queremos é que venham médicos dos grandes centros, isso é que é importante. Mas repito: temos de os motivar e mostrar principalmente o que temos de bom, que é muito. No CHUCB fazemos um inquérito de satisfação – de forma anónima – a todos os doentes internados que tiveram alta e constatamos que o grau de satisfação é sempre superior a 90 por cento, exceto nas Urgências – que é a área mais problemática. Em que outra atividade deste país existem graus de satisfação deste género? Isto dá-nos a certeza que estamos a fazer um serviço que as pessoas gostam e por isso é que recorrem a nós.
P – Falou em união. Considera que seria benéfica a união dos hospitais da região para criar um único centro hospitalar da Beira Interior?
R- Isso já foi discutido há muito tempo, mas é preciso algum cuidado. Vou dar-lhe um exemplo: Guimarães e Braga distam 20 quilómetros, alguém pensou em uní-los? Em Lisboa há inúmeros hospitais, alguém pensou em unir tudo num único? Temos de ter noção de que quando se fala em concentrar – e quem está no interior já tem alguma desconfiança sobre isso –, normalmente é para poupar dinheiro. E em relação a isso temos de ser contra, pois já chega de diminuições. O que podem fazer é aumentar os financiamentos. Se criássemos um único centro hospitalar este iria distar, de uma extremidade à outra, 300 quilómetros. Acha que alguém de Foz Côa, se precisar de uma especialidade que não exista na Guarda, vai a Castelo Branco? Não, mais facilmente vai ao Porto ou a Viseu. Temos de ter uma medicina de proximidade e não de afastamento – e se criarmos esse centro hospitalar estamos a afastar-nos cada vez mais das pessoas. É evidente que se fala sempre numa assistência de grande escala, mas é preciso pensar com seriedade e sensatez. É de desconfiar quando se quer organizar para poupar dinheiro, e a nós, no interior, ninguém nos pode pedir para poupar mais. Podem pedir-nos para gastar bem, mas não para gastar menos.
Sofia Craveiro
Perfil de João Casteleiro:
Presidente Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira
Idade: 68 anos
Naturalidade: Covilhã
Currículo: Licenciatura em Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa em 1972; Exerceu medicina nos hospitais do Fundão, de Santa Maria (Lisboa) e Distrital da Covilhã; Tornou-se especialista em Cirurgia Geral após Internato complementar nos Hospitais Distrital da Covilhã e Santa Maria; Integrou diversos cargos de chefia nos Hospitais da Covilhã e Fundão; Diretor clínico do Hospital Distrital da Covilhã entre 1997 e 1999; Membro da Comissão Instaladora da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI em 1999; Presidente da Comissão Instaladora do Centro Hospitalar da Cova da Beira (1999-2002); Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Cova da Beira (2005-2011); Diretor de Cirurgia no CHCB de 2012 a 2015 e novamente presidente do Conselho de Administração desde 2016 até ao presente. É ainda presidente da Assembleia Municipal da Covilhã, eleito pelo PS.