Um dia, estando um turista no Sítio da Nazaré a apreciar a paisagem através dos seus binóculos, chega uma nazarena que a seu lado se pôs a chamar o marido aos gritos. Forma única de se fazer ouvir naquela distância que separa o miradouro do mar da praia. O bom do turista, querendo meter-se com a nazarena, empresta-lhe os binóculos para que ela veja melhor o marido dentro do pequeno barco. A mulher assesta os binóculos e, ato contínuo, sussurra como se estivesse na missa: “Vem almoçar António, que a comida ainda arrefece!”. Apesar da distância a que o marido pescava no mar ser exatamente a mesma, instintivamente, deixou de sentir necessidade de o chamar aos gritos quando o viu tão aproximado pelos binóculos.
Imagino eu que, quais turistas no Sítio, seja também com o propósito de se meterem connosco que pseudopolíticos, pseudojornalistas, ou simples cidadãos como nós, teimam em nos ampliar algumas realidades através dos binóculos com que, sem peias nem meias, esmurram a pacatez dos nossos dias. Sem os ditos cujos, somos até capazes de ver alguns dos constrangimentos do SNS, através deles até nos parece que colapsou de vez e só persiste para nos atravancar a vida. Olhamos para a educação e vemos os normais problemas de cada leva de alunos, mas quando espreitamos com os binóculos de alguns parece mesmo que a educação é coisa que por aqui já não há. Poderia continuar os exemplos aproveitando a alegada falta de algemas e coletes anti bala nas forças de segurança, mas penso que os que dei chegam para ilustrar a ideia de que a ampliação dos factos não altera, inevitavelmente, a realidade. Por isso, e ainda que instintivamente possam reagir como se ela estivesse alterada, temos a obrigação de confirmar se o que queremos ver corresponde ao que efetivamente vemos. É que, ao contrário da nazarena que não viu o marido pescador aproximar-se dela porque quis, mas porque lho mostraram assim, na maioria das vezes, somos nós próprios que queremos acreditar no que nos aparece à frente. Parece que temos a predisposição para ser muito preguiçosos no que ao pensar toca. O que, aliado à tendência para alinhar em modas e ao espírito gregário próprio da nossa espécie, nos leva a embarcar nas mais diversas petas.
Afortunadamente, a maioria delas é tão inofensiva como um cachorro de dois meses. Contudo, apesar de na imensa mole de petas e tretas haver poucas realmente perigosas, quando o são podem arruinar a vida de qualquer um ou de muitos ao mesmo tempo em menos de um ai. Desde carreiras profissionais, artísticas, políticas ou desportivas, destruídas por ampliações de factos, exemplos não faltam, podendo a americana Hillary secundar a brasileira Dilma no topo da lista. Vendo bem, tudo coisas que só acontecem porque pensar, questionar e decidir, dá trabalho. E, ainda que existam muitos “turistas” a querer entreter-se à nossa custa, acho que, na maioria das vezes, é mais por preguiça que nos deixamos enganar do que por ingenuidade ou ignorância.