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O “kit” de Chris Cutler

Mestre da bateria e da improvisação electro-acústica actua amanhã na Guarda

Chris Cutler e a sua bateria híbrida ocupam amanhã à noite o palco do auditório municipal da Guarda para um concerto único. Ao programa, há improvisação e experimentação q.b., bem como a descoberta de um instrumento vanguardista que permite ao músico norte-americano a exploração das mais variadas melodias, ritmos e sons. Uma actuação que deita por terra a imagem tradicional da bateria e revela as suas enormes potencialidades nas mãos de um incansável explorador deste instrumento.

Chris Cutler é um dos mais importantes bateristas da música de vanguarda, cujo trabalho de mais de três décadas tem tido um impacto inestimável na história da percussão ocidental. Fundador dos míticos grupos Henry Cow, The Art Bears e Pere Ubu, entre outros, o baterista foi também colaborador de músicos vanguardistas como John Zorn, Elliott Sharp (que esteve na Guarda há exactamente um ano), Jon Rose ou a banda portuguesa Telectu, de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua. Desde sempre há margem do grande circuito musical, não faltam a Chris Cutler, que detesta a «previsibilidade» dos “samples”, referências reveladoras da sua vitalidade criativa e experimental. Do rock no final dos anos 60, ao rock progressivo e aos primórdios da música experimental na década seguinte, passando pela improvisação, a electro-acústica e a electrónica, o baterista tem desbravado terreno enquanto compositor e improvisador, desafiando mesmo as leis do possível em música. Nesse sentido, a sua actividade já foi comparada a um sacerdócio tal a sua incessante tendência para inventar e renovar a imprevisibilidade das novas músicas.

O seu estilo distingue-se pela incorporação da distorção e efeitos na bateria e percussão. Em meados dos anos 70 começou a acrescentar objectos e a manipular gravações de partes das suas interpretações para alterar o som produzido. Mas apesar de recorrer à electrónica, Chris Cutler evita caixas de ritmos e sintetizadores por achá-los inflexíveis. Em contrapartida, o músico desenvolveu um “kit” híbrido que processa o som acústico da bateria graças a um misturador electrónico de 16 canais e a pedais de efeitos. Apesar da aparente simplicidade desta estrutura, Chris Cutler produz um leque surpreendente de tonalidades musicais e improvisações sonoras em vez dos tradicionais solos de bateria, pelo que é considerado um mestre da improvisação electro-acústica. A crítica especializada reconhece-lhe uma «familiaridade extrema» com os limites e os radicalismos, mas também enaltece o seu contributo para a divulgação do género vanguardista através do projecto “Rock In Opposition” (RIO). Esta estrutura de “management” foi responsável, no início da década de 80, por vários concertos de música experimental na Europa. Paralelamente, criou a produtora independente “Recommanded Record”, que albergou alguns dos projectos mais inovadores da música contemporânea, cuja compilação “Step to Another World Music” é um excelente mostruário. Por outro lado, Chris Cutler escreveu “File Under Popular”, um livro de reflexão musical.

Luis Martins

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