A Gronelândia, cujo nome significa “Terra Verde”, talvez nunca tenha sido o paraíso, mas para os viquingues que ali chegaram em 25 barcos comandados por Erik, o Vermelho, no ano 985 d.C., para colonizar essas terras mais valia pensar que o nome escolhido pelo seu chefe, com a sua promessa de fertilidade, podia ter algo de verdadeiro. Os novos habitantes construíram duas povoações e, durante cinco séculos, conseguiram sobreviver da caça, da pesca e da agricultura. Então, em princípios do século XV, os aldeamentos viquingues foram subitamente abandonados. Para maior dramatismo, o último documento oficial conhecido desta época é o registo de um matrimónio. As bodas de Porstein Ólafssonn e Sigriour Bjornsdóttir foram celebradas a um domingo no outono de 1408. Ato contínuo, o casal e todo o seu clã tiveram de sair da ilha.
O que sabemos é que foi o clima que derrotou os viquingues. Hoje, no centro da Gronelândia há uma estação de investigação glaciológica construída em pleno glaciar. Por baixo estende-se uma capa de gelo antigo, com uns três quilómetros de espessura. Entre 1999 e 2003, na Estação de North GRIP extraíram-se amostras cilíndricas desta camada de gelo. Estes cilindros contêm bolhas de ar, que são pequenas amostras da atmosfera do passado. Quanto maior a profundidade do gelo mais antiga é a amostra e os glaciologistas puderam desta forma fazer remontar a sua análise até pouco mais de 100.000 anos atrás.
Nestes registos gelados pode ler-se a temperatura média da época em que cada camada de gelo foi depositada. No início da década de 1960, o químico dinamarquês Willi Dansgaard demonstrou que há uma relação entre a temperatura e a composição do gelo. Os átomos de oxigénio normalmente têm oito protões e oito neutrões no núcleo, mas existe uma variante pouco frequente com mais dois neutrões. Estas duas variedades são conhecidas como oxigénio 16 e oxigénio 18. O oxigénio 16 é muito mais abundante, tanto no ar como na água, composta por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio. Em todas as amostras de gelo há uma certa proporção de moléculas de água que contêm oxigénio 18 em vez do oxigénio 16. Dansgaard mostrou que esta proporção está relacionada com a temperatura. Foi devido a esta relação que os glaciologistas reconstruíram as variações da temperatura da Gronelândia no passado.
Os últimos 15.000 anos são um período particularmente interessante para a humanidade. Embora os nossos antepassados tivessem a mesma capacidade craniana que nós há mais de 100.000 anos, só nos últimos 10.000 é que surgiram as grandes civilizações. O que terá impedido isto de acontecer mais cedo?
A resposta mais simples é o último período glacial. Hoje sabemos que a temperatura média tem variado em grandes ciclos de 90.000 anos de glaciação e 10.000 de climas benignos. A nossa espécie surgiu apenas durante o último período glacial e só o fim desta Idade do Gelo é que permitiu que os nossos antepassados se pudessem ocupar de outra coisa para além da sobrevivência imediata, como o desenvolvimento da agricultura e da civilização.
Nos últimos mil anos pode ler-se claramente no gelo de North GRIP um ligeiro aumento da temperatura, ocorrido durante a Idade Média. Foi nesta altura que os viquingues colonizaram a Gronelândia. Em Inglaterra cultivava-se então a vinha. Depois começou aquilo a que hoje se chama a “Pequena Idade do Gelo”, um período de temperaturas baixas que durou aproximadamente de 1300 a 1850. Mas entre o Verão de São Martinho medieval e a “Pequena Idade do Gelo”, a temperatura média variou apenas alguns graus. A má notícia é que, após o fim do último período glacial, quando se poderia esperar que a temperatura média aumentasse paulatinamente desde níveis gélidos até temperaturas mais propícias aos humanos, o que se observa, pelo contrário, é uma instabilidade alarmante. Há uns 15.000 anos o gelo regista um aumento de 16 graus no espaço de 50 anos e, mais tarde, há uns 12.000 anos, um aumento de magnitude semelhante, mas em apenas 10 anos. Para os paleoclimatologistas foi uma surpresa descobrir que, entre os 100.000 e 10.000 anos atrás, a norma relativamente às temperaturas era uma variabilidade violenta, que em nada se assemelha à relativa estabilidade dos últimos 10.000 anos. Isto é motivo para inquietação. De facto, se o período atual é excecional, e o normal são as mudanças abruptas de 10 ou 20 graus em menos de um século, a instabilidade pode regressar a qualquer momento. Os viquingues tiveram de abandonar a Gronelândia por causa de uma mudança de temperatura muito menor do que as que, aparentemente, são a norma.