Dois médicos obstetras, um do quadro e outro tarefeiro, e uma enfermeira do Hospital da Guarda foram acusados pelo Ministério Público (MP) de ofensas à integridade física por negligência no caso da grávida de 37 semanas que perdeu o bebé após esperar hora e meia nas Urgências para ser observada.
O caso remonta a 16 de fevereiro de 2017, quando Cláudia Costa, então com 39 anos, deu entrada na Urgência obstétrica às 9h30, «assustada» com uma pequena perda de sangue. A mulher acabaria por perder o bebé cerca das 11 horas, altura em que os dois obstetras terão observado a grávida e confirmam a morte do feto. Posteriormente, o relatório preliminar da autópsia, realizada ainda nessa tarde na presença de inspetores da Polícia Judiciária (PJ), revelou que a grávida sofreu um descolamento da placenta. Na altura, a PJ iniciou uma investigação por alegada falta de assistência médica e o Ministério da Saúde abriu um processo para avaliar o que se passou, tal como a Entidade Reguladora da Saúde. O desfecho trágico chegou também à justiça, onde o Ministério Público pediu um parecer adicional ao Instituto de Medicina Legal que permitiu concluir que a vítima «sofreu um tempo de espera excessivo (…) sem que fosse sujeita a uma adequada monitorização e vigilância durante o tempo de espera, o que inviabilizou a realização de uma cesariana de urgência que teria salvo a vida do feto e, por essa via, a integridade física e a saúde da assistente».
Inicialmente, a PJ foi chamada a apurar se havia matéria para acusar os arguidos de homicídio negligente, o que acabou por não acontecer porque, legalmente, o feto não pôde ser considerado pessoa por ter morrido dentro do ventre da mãe. O MP decidiu então invocar o crime de ofensas à grávida com o argumento de que «o feto no útero materno faz parte do corpo da mãe». Em 2017, a Entidade Reguladora da Saúde concluiu que a equipa de Urgência na Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda «falhou no atendimento» desta grávida. Em deliberação de 17 de setembro desse ano, a ERS refere que «no relatório de urgência remetido pela Unidade Local de Saúde não existe qualquer registo da realização de ecografia, a hora a que foi realizada nem o resultado do exame». A ERS identificou no atendimento a esta grávida um «alegado tempo de espera excessivo [hora e meia] após a sua admissão no serviço de Urgência, não havendo registos de ter sido efetuada triagem, nem da sua adequada monitorização e vigilância clínica durante o período de espera».
O regulador apurou ainda «uma eventual não garantia de que os registos clínicos dos utentes sejam fiáveis e reproduzam a real situação clínica, bem como os cuidados, efetivamente, prestados», recordando que «não há registo de observação ginecológica, da audição da auscultação fetal, nem da avaliação dos sinais vitais da grávida». E concluiu que se registou «uma eventual existência de falta de comunicação e articulação entre os diversos profissionais de saúde presentes» na Urgência. E que esta situação é passível de prejudicar «a transmissão de informação completa, necessária para, em cada momento da prestação de cuidados de saúde, cada um dos profissionais envolvidos tomar as melhores decisões», lê-se na deliberação da ERS. No seguimento dos factos apurados, o regulador emitiu uma instrução à ULS guardense para que esta assegure a existência de procedimentos na Urgência – em especial na Urgência Obstétrica – para garantir, «de forma permanente, efetiva e em tempo útil», a prestação dos cuidados de saúde «necessários e adequados à satisfação das necessidades dos utentes». A ULS deve ainda assegurar que, durante a permanência na Urgência, «os utentes sejam devidamente monitorizados e acompanhados, de forma consentânea com a verificação de eventuais alterações do seu estado de saúde e que garanta uma resposta atempada e clinicamente integrada às mesmas».
A ERS quer também que a instituição introduza procedimentos que garantam que «os registos clínicos dos utentes sejam fiáveis e reproduzam a real situação clínica, bem como os cuidados efetivamente prestados». E recomenda outros «mecanismos que permitam uma correta articulação e prestação de informação e comunicação entre os diversos profissionais presentes no serviço de Urgência, em especial dos enfermeiros e médicos, independentemente do seu vínculo contratual». Falhas que foram corrigidas na sequência desta deliberação. Recorde-se ainda que, na sequência do incidente e do desaparecimento dos registos de Cláudia Costa, o pediatra António Mendes demitiu-se do cargo de diretor do Departamento de Saúde Materno-Infantil.
Médicos e enfermeira acusados no caso da grávida que perdeu o bebé na Urgência
O caso remonta a 16 de fevereiro de 2017, quando Cláudia Costa, então com 39 anos, deu entrada na Urgência obstétrica com uma pequena perda de sangue e só foi observada hora e meia depois, quando foi confirmada a morte do feto