Imaginemos que a alma é o que nos acarreta a moral. Imaginemos que a ética é inata e não educada. Imaginemos que o pensamento (o conhecimento com base na aprendizagem, ou na experiência, ou na exposição) deriva da crença verdadeira e justificada (tese de Platão). Estamos no ponto em que pensamento e ética não têm nada em comum: um veio de modo inato e outros foram aprendidos. A implicação disto é que apesar da educação o cidadão pode ser bom ou mau. Um facínora pode ser muito bem instruído em colégios magníficos. António Damásio e outros neuro radiologistas e neurologistas provaram-no com exames a AVC’s e a traumas de áreas diversas do cérebro humano. Sempre que a afeção do território é a mesma, as consequências são semelhantes. Isto quer dizer que se o trauma afetar aquele núcleo central frontal que é moral, o cidadão fica igual em tudo, mas amoral. Aqui reside o “erro de Descartes”. De facto, não é um erro mas uma construção viciosa para iludir o discurso do seu tempo. Vindo de uma escola religiosa, paga pela rica família, num tempo em que Galileu era constantemente maltratado pela Igreja, tinha de dizer de modo suave que não acreditava nos ensinamentos injustificáveis da Igreja e da Universidade religiosamente construída. Descartes dizia que os conhecimentos importantes eram Matemática, Medicina, Física e depois, para agradar ao mundo da época, criou uma construção sustentável da existência de uma moral fora do corpo e pressuposto de uma injustificação: Deus existe. Mas Deus é uma crença de verdade duvidosa e de certeza injustificável pois a sua presença é matéria da Fé. Quem acredita tem Deus consigo. O que nunca vamos encontrar é Deus na dissecação anatómica. Desconfio eu que Descartes sabia disto e tinha a intuição de que a existência permitia pensar e só porque havia matéria havia pensamento. Descartes teria é medo do destino de Galileu, que, lá noutros países, na mesma altura, era zurzido pela Igreja sem dó nem piedade.