Votar não é amor – não se escolhe para sempre. Acreditar em alguém não é clube de futebol – não carece de ser sempre a mesma camisola. Dar o voto pode ser uma enxaqueca, mas só vem depois, como a ressaca do vinho. Esta passa quatro anos depois. Votar noutro não é traição, é fé, é crença, é emoção. Isso já lembra o clubismo. Parecem os benfiquistas! Já vi esse fanatismo no Porto, em Braga e no outro lado da Segunda circular. Em Guimarães, a clubite chega a inflamar pessoas de bem!
Votar é um ato razoável e deve ser pensado. Queremos maioria absoluta? Sim, se acreditamos em estabilidade. Sim, se estamos rendidos às cativações. Sim se queremos o Centeno no FMI. Queremos compromissos? Então absolut é vodka e esqueçam lá isso: partido de charneira com orientação para o nosso desejo. É como escolher laranja a pensar no vodka. É escolher coca-cola para pedir Cuba Livre. Orientar por vez de decidir.
Podemos mudar de sexo? Então podemos mudar de partido – não carece de cirurgia nem de burocracia. Podemos abandonar o pai num hospital? Então que custa abandonar um partido? Podemos trocar de marca de carro? Então que é isso comparado com cores e ideologias?
Não defendo os troca-tintas, mas estou aqui empenhado numa racionalidade da escolha começando por desconstruir fidelidade partidária. Em quem vão votar os enfermeiros que detestam a Ministra? Em quem votarão os que receberam a gola que arderia no pescoço? Onde votarão os camionistas de matérias perigosas? Quem escolherão os professores? Votar tem de ser como o dinheiro: sem pai, sem mãe, frio, calculista, insensível e, sobretudo: nunca tem defeito, nunca lhe aperta o colarinho, nunca faz ruídos, nunca verte, nunca avaria. Faz muita falta a quem o não tem!