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O que mais me interessa na Sala de Espectáculos

Pois, Pois

A cultura ofende os pobres e intimida os ricos. As reacções à criação da CulturGuarda – empresa municipal que vai gerir a Sala de Espectáculos – vêm ao encontro desta tese. A grande preocupação, o grande debate na última Assembleia Municipal sobre este assunto centrou-se única e exclusivamente nas remunerações dos futuros director artístico e director financeiro. É pena, mesmo admitindo que de facto os vencimentos são elevados, sobretudo se tivermos em conta a situação financeira da câmara da Guarda, que será a grande financiadora desta empresa municipal. Mas isto não é o que interessa.

A grande questão que se deve colocar é: para que é que serve a sala de espectáculos? Antes de tentar responder a esta pergunta, convém lembrar dois pormenores.

Primeiro, ao contrário do que muita gente pensa, a cultura não cria riqueza. A riqueza é que cria cultura. Não foi com certeza por acaso que por exemplo a ópera apareceu em países ricos e civilizados. Segundo, sem uma aristocracia educada e uma classe média forte com algumas letras, não há público para uma série de espectáculos ditos de elite. Desgraçadamente, Portugal (e a Guarda em particular) não tem nem nunca teve nenhuma das duas coisas. Não basta por isso construir uma sala de espectáculos para nascer do chão um público. E este é o grande problema.

Já escrevi noutras ocasiões que o principal objectivo de qualquer política cultural deve ser precisamente ajudar a criar esse público. Ora a CulturGuarda pode, e, na minha opinião, deve, ter um papel preponderante nessa missão. Como? Por exemplo, criando Serviços Educativos (SE). Não se trata, obviamente, de nada de novo em Portugal. Que eu saiba, a Fundação Calouste Gulbenkian foi a primeira instituição a criar este tipo de serviços – estão neste momento a ser actualizados. O Centro Cultural de Belém e o Teatro Viriato (Viseu) criaram também recentemente os seus SE. E Serralves é talvez, em Portugal, um caso exemplar neste tipo de iniciativas.

Em que é que isto consiste? Não se trata de descobrir artistas, tipo o programa ídolos, mas pode potenciar as crianças, tornando-as mais sensíveis. Estas serão certamente melhores observadores do real, poderão produzir um conhecimento melhor com a observação atenta da(s) realidade(s). Poderão exprimir-se melhor, usando a linguagem visual que complementa outras – e sabemos que alguém se exprime melhor quando se utiliza de várias linguagens.

O público-alvo preferencial é, por conseguinte, a comunidade escolar, devendo por isso a CulturGuarda estabelecer parcerias com as escolas. Mas não só. Deve criar uma rede de relações com associações culturais, associações de jovens, centros sociais, sindicatos, etc. Podem-se realizar cursos, oficinas, workshops, encontros, seminários, visitas, etc. E nas mais variadas áreas: pintura, desenho, banda desenhada, fotografia, arte multimédia, artes perfomativas, etc.

Isto são apenas algumas ideias soltas. Cabe agora à CulturGuarda elaborar um projecto com cabeça tronco e membros e, de caminho, aproveitar o que já se tem feito nesta área por cá.

Se a CulturGuarda eleger os Serviços Educativos como uma das suas principais prioridades, eu, como cidadão e pai, não poderei deixar de me congratular. Bem sei que é um trabalho que só dará frutos a médio prazo. Mas serão, sem dúvida, bons frutos.

Por: José Carlos Alexandre

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