A esquerda francesa dos anos 70 e 80 do século passado desprezava profundamente a direita que lhe tinha caído em sorte. Diziam que era a mais estúpida do mundo. Essa esquerda dominava as artes, a literatura, definia grandiosamente o mundo em belas frases de uma sintaxe impecável. Mas não sabia fazer contas.
As várias esquerdas e direitas de hoje não reclamam já superioridade intelectual sobre ninguém e pouco recordam dos princípios de antigamente. A sintaxe empobreceu e ninguém aprendeu a fazer contas. Por isso alguém me dizia, a propósito da crise dos professores, que «temos a esquerda mais lunática a leste de Maduro e a direita mais estúpida a norte de Bolsonaro».
Não vou por aí. Não podemos esquecer, entre outros, Donald Trump. Mas devíamos ouvir o que têm a dizer-nos uns e outros, dos dois lados da barricada, e fazer-lhes as perguntas necessárias.
Antes de mais, há que esclarecer as posições fundamentais de que devemos partir. Idealmente, devíamos todos ter tudo, e já. Como dizem todos os que reclamam, é da mais elementar justiça. Devem recuperar as suas carreiras os professores, mas também os enfermeiros, os polícias, os magistrados, os funcionários judiciais, os militares e devem ser aumentados substancialmente todos aqueles que tenham uma profissão com progressão independente do decurso do tempo.
Tudo isto deve ser conseguido sem aumento de impostos, uma vez que a classe média exterior ao Estado, de onde vem o grosso da receita em IRS, também tem direito a recuperar a sua vida de antes da crise. Para isso ser possível, deverão até diminuir os impostos. Como satisfazer este caderno de encargos? «Fácil», dizem-me os meus amigos de esquerda lutando esforçadamente com a calculadora, «Se há quatro mil milhões para o Novo Banco, então também há para os professores e para o resto da malta!». Tento dizer que o dinheiro gasto com o Novo Banco não significa que haja outro tanto no cofre para pagar a fatura dos aumentos, ou que o incumprimento da dívida irá impedir o financiamento futuro do Estado, que necessitará de crédito para cobrir os necessários défices, mas o melhor que consigo ouvir em resposta é um sibilino «os advogados deviam pagar mais impostos». Os meus amigos de direita, entretanto, vão dizendo que no tempo do Salazar é que era bom, que havia respeito e dinheiro nos cofres do Estado.
Deixo-os a discutir uns com os outros. Podia ter provocado os de esquerda e perguntado porque são tão a favor da cannabis para fins recreativos (apesar dos seus efeitos perniciosos) e tão contra os alimentos transgénicos (que acusam da possibilidade de efeitos perniciosos), ou os de direita recordando-lhes a miséria, a guerra e a falta de liberdade, mas tenho outras preocupações.
Segundo o “Público” de terça-feira, em consequência da ação humana há o risco da extinção de mais de um milhão de espécies a curto e médio prazo. A única solução para evitar chegarmos ao ponto de não retorno, na proteção da natureza, da diversidade das espécies e nas alterações climáticas, será desistir muito depressa do crescimento económico, do consumo, do nível de vida que temos ou pretendemos recuperar.