É, retomo e retoco a prédica que neste jornal larguei há 12 meses, lamentando que um dos nossos, um dos valentes, estivesse a ser ostracizado por ser desassombrado e dizer o que pensa. Este título, roubado ao Movimento Independente para a Reconstrução Nacional e a uma história antiga, pode agora, mesmo que alguns vejam partidarite onde eu vejo mérito, ajudar a reconstruir uma área da qual andamos necessitados e precisados.
Avalio os aplausos do movimento cultural, constato a urticária de alguns e antevejo as dificuldades, mas ter um diretor das artes que conhece o ostracismo, que provou que no Barracão ou no Manigoto se pode sonhar e realizar, antevejo dias felizes. Foi nessas andanças que conheci o Américo Rodrigues, pessoa aguerrida e, em dias de tormenta, com profícuo mau feitio. Mas vi, mesmo quando fui para Pinhel, o que foi feito com os Amigos do Manigoto, a extraordinária peça que ali foi montada. Foram “Os nomes da terra” que me explicaram como a cultura é uma festa e um permanente desatarraxar da memória. Essa memória que nos tapa as fuças picadas pela lã do cobertor, essa epifania do construir fazendo.
Como disse o João Amaro, fez sempre bem, fosse qual fosse a catacumba onde pensassem domar a intempérie criadora, e feitora. Fez bem e brilhou para de novo se tapar no mais fundo dos nossos porões. Talvez a Guarda, que correu alegre a cantar rei posto, rei morto, perceba agora que temos que tocar pelo mérito e não pela cadeira quente. Agora teremos o Américo Rodrigues a dirigir as artes, esperando educar o subsídio e facultando a alvissara que torna visível o mérito. E talvez nós aqui, na Mais Alta, continuemos a ver amiguismo onde houve currículo, desvalorizando um dos nossos que tanto fez e pode fazer. Para quem não quer, bacalhau basta, e depois de mim virá quem de mim bom fará.
Talvez, ou talvez estes sejam os “Passos à Memória”, vingando finalmente este ostracismo indecoroso a que as artes têm sido acolitadas, este compadrio dos enfileirados. Talvez o mérito seja agora o sobressalto e a fúria fecundadora de uma nova forma de nos orgulharmos de nós e dos nossos. Das nossas raízes. E esse é trajeto que me orgulha de ter conhecido e que me orgulhará de ver crescido, agora que os brilhantes e meritosos já não estão arreados e não tarda o meu Amigo da Guarda. Fecho com essa peça. “Você é doido varrido, senhor Américo!”. Pois é, por criar e aceitar um cargo que merece. Mas isso “é chão que não piso”. Prefiro ver o meu país aproveitar o talento que outros quiseram renegar.
* Jornalista
** Publicada originalmente na edição de O INTERIOR de 15 de fevereiro de 2018 e atualizada após a nomeação de Américo Rodrigues como Diretor-Geral das Artes