Sabemos, através fontes latinas, que na época dos primeiros contactos entre romanos e lusitanos as populações que ocupavam o ocidente da Península Ibérica consumiam bolota torrada. O geógrafo grego Estrabão na “Geografia”, escrita entre os anos 20 e 7 antes de Cristo, afirmava que na maior parte do ano os “montanheses” viviam de bolotas que secavam, cortavam em pedaços, trituravam e com a farinha faziam pão que se conservava durante muito tempo. A bolota era, pois, a fonte de provisões para grande parte do ano, evitava a fome e, consequentemente, a morte. Não admira, por isso, que a bolota e o carvalho estejam associados a diversas religiões e a inumeráveis mitos europeus proto-históricos. Entre os povos antigos da Europa atlântica, mediterrânica e continental o carvalho era a árvore sagrada que, simultaneamente, simbolizava a majestade, era sinónimo de força (“robur” significa “força” em latim) e atraía a faísca destrutiva das tempestades.
Foram as populações celtas que mais endeusaram o carvalho e a floresta onde os carvalhos eram soberanos. Segundo o escritor latino Plínio-o-Velho, o próprio nome dos sacerdotes da religião celta – os druidas – tinha origem na vocábulo da árvore sagrada. O carvalho era mesmo, “o eixo do mundo” junto do qual tinham lugar as cerimónias sagradas. Era o “templo” por excelência. No bosque de carvalhos – o Nemeton – os celtas comunicavam com as suas divindades e acreditavam que ali tudo se decidia.
Os escritores da Antiguidade que contactaram directa ou indirectamente com as tradições celtas descreviam os bosques de carvalhos como sítios de profunda escuridão, de passagem entre o mundo dos vivos e o “Outro Mundo” ou como os locais sagrados onde as fadas se refugiavam. Os druidas celtas comunicavam com os espíritos das sombras, colhiam o visco que crescia nos grandes carvalhos com uma foice de ouro. Os próprios troncos de carvalho, escavados em forma de barco, serviam de sarcófago aos príncipes celtas que se faziam transportar para o “Outro Mundo” por intermédio da “árvore dos deuses”.
Não é por acaso que as “pedras de raio”, os conhecidos machados de pedra polida da Pré-História, estão associadas aos carvalhos. A tradição popular atribui a origem dos machados à queda de faíscas de relâmpagos que, em geral, atingem os carvalhos. O próprio machado está associado ao relâmpago visto que fere e corta produzindo faíscas. Também entre os celtas, como noutros povos, a “pedra de raio” ou o machado de pedra polida que “caiu do céu” estava associada ao trovão e ao relâmpago.
Na singular aldeia de Cidadelhe, no concelho de Pinhel, os habitantes tinham por hábito colocar as “pedras de raio” – também chamadas “faíscas” – na cozinha, junto à lareira de forma a proteger a casa “da queda dos raios”. Assim, segundo a superstição corrente na aldeia – como em quase toda a Beira Interior – a “pedra de raio” funcionava como um pára–raios, pois na casa onde havia uma faísca jamais cairia um relâmpago. Curiosamente, já na época romana, os machados de pedra polida eram recolhidos e levados para as habitações.
Por: Manuel Sabino Perestrelo
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