A laborar desde a década de 60, era já do conhecimento de todos que a fábrica produtora de mantas e cobertores vivia com algumas dificuldades, mas ninguém esperava um encerramento, mesmo que «temporário». Só na quarta-feira passada, quando os trabalhadores chegaram ao local e viram as portas encerradas, sem que nada lhes fosse explicado, souberam da decisão do tribunal. No entanto, este era um desfecho que se perspetivava desde novembro passado, quando foi chumbada uma tentativa de processo de recuperação pedida pela administração da empresa.
A O INTERIOR, Carlos João, delegado sindical, explicou que o plano de viabilização não foi aceite pelos credores uma vez que «os próprios já não acreditavam no processo», pois já em 2016 tinha entrado em vigor um primeiro plano de recuperação. Com o “não” da maioria dos credores, o tribunal «decidiu passar a empresa para a insolvência». A decisão não foi aceite pelos responsáveis da Serralã, que recorreram, sendo que um dos credores que votou contra a viabilização da empresa foram as Finanças, com as quais a Serralã tem um outro processo em tribunal. O argumento da administração da unidade têxtil é que, enquanto este processo estiver a decorrer, não poderá haver uma decisão de insolvência sem que se saiba quem tem razão.
Este impasse leva então ao encerramento temporário da fábrica, que está agora sob a alçada de um administrador judicial. Só depois de ultrapassado o diferendo com o fisco poderá haver nova decisão, sendo que a empresa sediada nos Trinta só voltará a abrir se ganhar este processo. Caso contrário, «a Serralã vai ser liquidada e tudo o que aqui está vai ser vendido», adiantou o dirigente do Sindicato Têxtil da Beira Alta (STBA). Segundo Carlos João, foram «as dívidas» que conduziram a estes processos de recuperação, que em 2016 já tinham originado o «despedimento de uma serie de trabalhadores». Nessa altura a empresa propôs também o pagamento faseado dos créditos aos credores com dois anos de carência, mas o sindicalista adianta que, ao que sabe, «não pagou aos credores e continuou também a não pagar aos trabalhadores», que «ainda não receberam o salário de novembro».
Sobre a viabilização da empresa, Carlos João diz «não acreditar há muito tempo» nessa hipótese, pois a questão dos salários em atraso «já tem anos». Tanto assim que «os ordenados nunca estiveram regularizados nos últimos cinco anos» e mesmo com a redução efetiva dos trabalhadores «a empresa nunca regularizou os vencimentos», refere o sindicalista. De resto, «há três anos houve uma greve dos trabalhadores que ficou como exemplo para outros operários porque foram 22 dias seguidos», recorda o dirigente do STBA, que fala em «dívidas enormes» à banca. Os números ficaram conhecidos nos processos em tribunal e rondam os dois milhões de euros.
Dadas as atuais circunstâncias, «não se pode pedir nada à administração porque ela já não existe» e só voltará a existir depois da resolução do diferendo em tribunal. Presos neste impasse, os trabalhadores só poderão pedir o que lhes é devido «quando forem despedidos» e a suspensão dos contratos deverá ser o passo que se segue, o que deverá acontecer «nos próximos dias», admitiu Carlos João. De resto, a empresa terá a responsabilidade de pagar «tudo o que está em falta», sendo que caso declare falência, os funcionários terão de recorrer ao Fundo de Garantia Salarial para receber os salários em atraso e as indemnizações. O INTERIOR tentou contactar a administração da empresa, mas sem sucesso até ao fecho desta edição.
Das seis fábricas a laborar nos Trinta resta apenas uma
Numa terra onde chegaram a existir seis fábricas têxteis, nos dias de hoje apenas uma se encontra a laborar. O presidente da Junta da União de Freguesias da Corujeira e Trinta diz que «estes encerramentos afetam de muitas maneiras a aldeia». São 14 pessoas «em vias de perder o emprego e isso é muito complicado», considera Calos Fonseca, que teme também pelo «próprio ecossistema da freguesia, que fica comprometido». Havendo cada vez menos postos de trabalho, o autarca receia agora que o fecho das empresas possa «condicionar outros serviços e as pessoas terão que ir procurar trabalho noutros locais».
Também Carlos Fonseca diz ter sido «apanhado de surpresa» com a notícia do fecho da Serralã, embora a situação fosse «já conhecida há algum tempo». No entanto, o autarca espera que consigam encontrar o caminho da «viabilização, ou que haja um investidor», pois manter a empresa é «manter um ofício que faz parte do património da aldeia». O presidente da Junta refere-se não apenas à maquinaria, «mas sobretudo às pessoas, por todos os conhecimentos que têm de uma vida ali a trabalhar». Entretanto, o grupo municipal e a Comissão Coordenadora Distrital da Guarda do Bloco de Esquerda (BE) já reagiram ao encerramento da Serralã, noticiado em primeira mão por O INTERIOR online, e manifestaram «solidariedade» aos seus trabalhadores.
Funcionários garantem que havia muito trabalho
Entre os 14 funcionários que punham as máquinas da Serralã a produzir estava Margarida Nogueira, trabalhadora da Serralã há 24 anos. Agora com 51 anos, a operária já não se imaginava trabalhar «noutro lugar». Residente nos Trinta, habituou-se a ter o seu trabalho «à porta de casa», mas agora olha em volta e diz que «aqui não temos possibilidade de arranjar emprego. Temos de ir para fora e é muito complicado». Apesar de se falar em encerramento temporário, Margarida Nogueira confessa já não ter esperança: «Nós víamos isto cada vez mais em baixo, mas não era por falta de trabalho, que esse houve muito, até ao último dia», ficando inclusive por pagar «muitas horas extra», sublinha.
João Sousa, há mais de 20 a trabalhar na Serralã, tem em dívida o subsídio de férias, os meses de novembro e dezembro, o subsídio de Natal e agora metade do mês de janeiro. É natural de Fernão Joanes, ali ao lado, e se o encerramento se confirmar não sabe «qual será o nosso caminho». Com 56 anos, o funcionário diz que «a idade já não permite muita coisa», pelo que prevê que «não dever ser fácil» arranjar emprego. Já a Aurora Matos faltam-lhe o subsídio de férias, o mês de dezembro e também metade do mês de janeiro. Espera que esse dinheiro lhe seja ainda pago «porque nos faz muita falta», queixa-se. Com o marido desempregado, Aurora Matos era a única a trabalhar lá em casa, agora teme que o cenário «fique ainda pior». A trabalhadora diz que até ao último dia de laboração da Serralã «houve sempre camiões a sair com cobertores» e garante que «havia muito trabalho», pelo que «não entendemos» o que aconteceu. Essa explicação nunca foi dada aos funcionários, que apenas foram confrontados com «um papel na porta e ninguém para falar connosco».
Solidárias com as antigas colegas estão Idalina Fernandes e Isabel Cunha, que trabalharam na Serralã e foram despedidas aquando da redução de trabalhadores. Contam que esse despedimento «aconteceu de um momento para o outro», tendo ficado por pagar ordenados, subsídios de férias, de Natal e indemnizações. «Até agora ainda não sabemos se vamos receber», lamenta Idalina Fernandes.
* Com João Negrão