A segunda-feira nem sempre foi o dia amaldiçoado por quase todos aqueles que a têm como o início do calendário semanal de trabalho. Nos anos 90 era o dia ideal para as famílias se juntarem em frente à televisão e aumentar a autoestima portuguesa, dando na boca aos mais ricos, produtivos e atléticos, povos europeus. Somos uns campeões de dívida desde há muito, mas éramos melhores ainda nos Jogos Sem Fronteiras. É que quando se trata de brincar, levamos tudo muito a sério.
Nesses anos de euforia europeia, onde a ausência de estudos de impacto ambiental não seriam notícia no Montijo, ainda se poluía o rio Diz e fervilhava de vida o centro histórico da Guarda. Olhando para a sua evolução na história recente, provavelmente os seus problemas estarão resolvidos já este ano, pois, acreditando no escritor de profecias David Montaigne, o mundo acaba em dezembro de 2019. Pelo que será sensato, este ano, deslocar a Lapónia para a Praça Velha, trazer os U2 à passagem de ano e estoirar as finanças em grande.
Não obstante as centenas de milhar de euros gastos na estratégia da nova trindade de efes, FESTAS, FIT, FEIRAS, continuamos a assistir ao esvaziamento de comércio e serviços, ao declínio residencial e aos mesmos edifícios devolutos. Bem se pode contra-argumentar que esta situação é herdada e que se investiu recentemente na recuperação de alguns imóveis. No entanto, basta uma curta deambulação pelo espaço público para perceber que quase tudo falhou e a estratégia atual não apresenta resultados a prazo. Alegar o contrário só mesmo para amantes dos loucos desafios de olhos vendados do “Bird Box”.
Ter fé numa candidatura a Capital Europeia da Cultura, quando não se consegue resolver o estacionamento anárquico na envolvente do mais icónico monumento da cidade, na Praça Velha e no Largo Dr. Amâdio Paúl, e quando se promovem obras que colocam elevadores e grades em monumentos nacionais, é um exercício merecedor de globo de ouro para melhor interpretação dramática. Já quanto ao argumento, sem qualquer hipótese.
A descaracterização do espaço que se perpetrou no Jardim José de Lemos e que se pretende, agora?, implementar no Largo João de Almeida e na Torre dos Ferreiros, não acrescentam valor a quem privilegia a autenticidade, identidade e a “patine” da cidade. E enquanto esbanjamos para ficar pior, vemos apodrecer os classificados edifícios do Parque da Saúde. Não admira que o ministro Pedro Marques nos queira castigar com mais portagens, a menos que tenhamos um Scania ou um MAN debaixo de olho, porque para parque TIR estamos bem demais!
A proliferação do alojamento local, visto como uma praga em algumas das nossas cidades, é por aqui pouco mais que uma oportunidade de reabilitação urbana, num concelho com um número de dormidas ridículas quando comparadas com concelhos vizinhos. A título de exemplo, experimentem saber quantos restaurantes estavam abertos na noite de passagem de ano e quantas camas ficaram disponíveis nos dois hotéis, descontados os elementos das bandas e do palco, e encontrem a falácia do caminho para a Terra Prometida. Jéssica Athayde diz que já não vê o seu pipi, mas ao menos vê algo a crescer. Por aqui nada germina e já só vemos a atratividade encolher.
Não existe um plano coerente para devolver ao centro histórico a solenidade, o deslumbramento e a vida que merece. O “coração” da cidade, após vários transplantes, é um doente em lista de espera para nova consulta com tempos de espera do SNS.
O melhor miradouro da Guarda é no cimo da Torre de Menagem. Não necessitamos de Turbinar a Torre dos Ferreiros. A palhaçada das telas na Praça Velha necessita de uma intervenção de fundo. O Torreão, a judiaria, as portas da muralha e buéréré de valor acrescentado esquecido a maior parte do ano. A realidade pode ser um melão difícil de digerir, mas Ana Malhoa explica aos incrédulos Eládios Clímacos dos jogos na fronteira, «Encaixa, Encaixa/ Encaixa, Baby, Encaixa».