Luís Fernando Veríssimo diz que as mulheres de Verão vêm e vão. E que devemos ter cuidado com as outonais (e com as primaveris). Pressupõe-se que não precisamos de ter cuidado nem com as invernais – talvez algum com as infernais – nem com as estivais. (É a segunda semana seguida que utilizo o adjectivo “estival”. Tenciono mesmo usá-lo em diversos contextos, todas as semanas até ao Outono. Mas serve este parêntesis para explicar que “estival” não é o feminino de “estivador”. Se fosse, o parágrafo interrompido por esta elucidação teria um estilo Guilherme Melo ou – para aqueles que só lêem literatura anglo-saxónica – à Frank Ronan.)
Shakespeare perguntava num famoso soneto – evitemos a discussão se o Bardo dedicava os versos a frondosa rapariga ou a esbelto moço – se deveria comparar o ser amado a um dia de Verão. Que me perdoem o atrevimento, mas eu vou tomar as mulheres como objecto da analogia. Bem sei que a heterossexualidade está fora de moda e que o direito à diferença hoje é gostar de pessoas de sexo diferente. Perdoem-me as almas sensíveis, mas eu uso os sonetos de Shakespeare como se fossem dirigidos a uma mulher e ponto final. A verdade é que os homens gostam das mulheres que são dias de Verão. Quentes e húmidas. Brilhantes e luminosas. Com a brisa do princípio da noite. As mulheres, todas as mulheres, como o Verão, também têm dias cinzentos, chuvosos e tristes. Mas as de Verão têm menos. Normalmente estão de sol. Outras há que normalmente estão de chuva. São conhecidas entre os solteiros como “mães das namoradas” e “mulheres dos amigos”. As ex-namoradas não são uma estação do ano. São uma categoria meteorológica à parte. A das tempestades.
As mulheres de Verão não são necessariamente as mulheres do Verão. Não necessariamente as do nosso Verão. Mas com o tempo, e como o tempo, vêm e vão. Uma mulher de Verão só se casa quando muda de estação. Quando se torna primaveril ou outonal. Algumas tornam-se invernias. Outras, inverosímeis. Muitas, improváveis.
Quando nos apaixonamos por uma mulher de Verão, devemos saber que o calor vai acabar daí a pouco. Que temos de aproveitar enquanto o sol durar, até as folhas começaram a cair.
Veríssimo filho escreve a conversa de dois velhos sátiros. Um aconselha o outro: “Você diz uma frase de Vinicius no ouvido de uma menininha e ela pensa que a frase é sua.” Não sei se Veríssimo pensou em Vinicius quando escreveu sobre mulheres de Verão e Outono. Nem sei se há ainda menininhas que se impressionem com versos de Vinicius, mesmo desconhecendo a autoria – e o autor. Vinicius dedicou a Maio um soneto. A Maio, quando o Verão começa a despontar. Maio “carregado de inveja e de presságio / dos irmãos Junho e Julho, friamente / preparando as catástrofes de Agosto.”1 As mulheres de Maio são mulheres quase de Verão. Soalheiras mas sem nos fazer transpirar. E imprevisíveis, como o tempo que fará amanhã.
PS: Este artigo estava originalmente planeado para ser sobre “mulheres” e “sexo”, mas pareceu-me sensato abordar apenas um tema complexo e desconhecido de cada vez.
EU VI UM ORNITORRINCO
Manuel Alegre
Um ornitorrinco com três características particulares: é poeta, político e fã de Figo. Capacidade de resistência sobre-ornitorríntica. Agora gostava liderar a tribo, mas não quer comandar a espécie. Vai perder a batalha. Darwin explicou.
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1 Vinicius de Moraes, “Soneto de Maio”
Por: Nuno Amaral Jerónimo
