Depois dos ofícios tradicionais e dos enchidos, a edição deste ano do Festival de Cultura Tradicional da Castanheira, que decorre no fim-de-semana, é dedicada aos romances. Uma arte de outros tempos, e com grande tradição na aldeia, evocada através de uma peça de teatro, vários concertos de música tradicional e uma conferência. Durante dois dias, a Associação da Juventude Activa da Castanheira, entidade organizadora, guia os visitantes daquela localidade do concelho da Guarda pelo universo das histórias em verso cantadas e contadas ao longo dos séculos. O objectivo é evocar as memórias colectivas a elas associadas e contribuir para a sobrevivência destes verdadeiros documentos históricos através da transmissão oral.
Os romances eram histórias em verso, com origem e difusão ligadas aos cegos mendigos, que percorriam as terras cantando e vendendo folhetos. Estas canções eram depois adoptadas pela tradição oral de cada região, dando relevo a umas partes e omitindo outras, surgindo assim várias versões do mesmo romance. Adaptações locais que não invalidam a riqueza histórica destas cantigas, já que são testemunhos directos do quotidiano das sociedades rurais, dos seus modos de produção, celebrações comunitárias, costumes e mitos. No entanto, ao contrário de outros documentos escritos e pintados, pedras e utensílios, a música tradicional de transmissão oral tem vindo a extinguir-se inexoravelmente com os seus intérpretes, sobrevivendo apenas na memória dos últimos executantes e desaparecendo por falta de transmissão. Tendência que a Castanheira quer ajudar a contrariar com um programa variado que abre amanhã à noite com um concerto do projecto Chuchurumel, no Largo do Calvário. As “Canções de Todo o Ano”, entoadas por César Prata e Julieta Silva, são acompanhadas por pedras, paus, apitos, percussões, gaita-de-foles, harmónio, concertina, harmónica, braguesa e a viola. Depois deste espectáculo de música de raiz tradicional, Teresa Aurora canta outros romances, antes da música tonitruante da Fanfarra Sacabuxa.
No sábado, há uma caminha à St.ª Eufémia e um almoço retemperador, seguidos da conferência “Romances da Castanheira: mais de 600 anos de história tradicional”, onde será relembrada a rica tradição romancística da aldeia. A iniciativa tem por base as três dezenas de textos recolhidos em poucas horas, junto de apenas três informantes-cantoras, em 1986, e que consistem em romances tradicionais e tradicionalizados. A festa prossegue depois no Largo do Outão com a Fanfarra NemFáNemFum e os concertos da Ronda do Jarmelo e de José Barros e Navegante. Estes dois últimos projectos inspiram-se em temas tradicionais. O último dia do Festival de Cultura Tradicional da Castanheira fica marcado pelo espectáculo teatral “Entristecer – O Romance de Isabel, a linda”, programado para o espaço da Serralharia Monteiro. Trata-se de um novo romance sobre a Castanheira, que lança outro olhar sobre a aldeia, a memória dos dias, o passado que há no presente. Romance cantado, dito, tocado e com muitas personagens que têm feito a fama da localidade. Com autoria e direcção geral de Américo Rodrigues, “Entristecer – O Romance de Isabel, a linda” é interpretado por Adelaide Pereira, Américo Rodrigues (em off), Ana Ferreira, Ana Isabel Monteiro, Ana Marques, António Dinis, António Teixeira, César Prata, Elmano Pereira, Igor Pereira, Joaquim Esteves, Joaquim Gonçalves, Julieta Silva, Júlio Lourenço, Manuel Pereira, Otília Marques, Palmira Marques, Ricardo Monteiro, Sandrina Miguel e Teresa Miragaia. O domingo fica ainda marcado por uma arruada com o Grupo de Bombos de Castelejo e as actuações do Rancho Folclórico da Guarda e do Grupo de Pauliteiros de Palaçoulo.
Luis Martins