A Adega Cooperativa Beira Serra, de Vila Franca das Naves, estima que a campanha deste ano tenha uma quebra de 70 por cento devido ao míldio e ao “escaldão” ocorrido nas vinhas no início de agosto. Confrontados com dados «assustadores», os seus responsáveis pedem a intervenção do Ministério da Agricultura.
«É um ano trágico para o setor vitivinícola da sub-região de Pinhel, na qual estamos inseridos. Prevemos uma redução de 70 por cento da produção, pois o impacto do míldio foi muito potenciado pelo “escaldão”, que considero a “geada” do Verão, um fenómeno que não é muito frequente na nossa região», afirma o presidente da direção da cooperativa do concelho de Trancoso.
A situação afetou toda a área de influência da Adega, tendo havido «perdas mais significativas» nas freguesias da Granja, Moimentinha, Vila Franca das Naves (no concelho de Trancoso), Cerejo, Alverca da Beira, Ervas Tenras e Prados (concelho de Pinhel) e Avelãs da Ribeira (Guarda). João Guerra adianta que o cenário já foi comunicado aos serviços do Ministério da Agricultura, do qual se esperam medidas e apoios para fazer face aos prejuízos que os produtores vão ter. «Nós só vamos pagar as uvas que entrarem na adega, mas há muitas famílias que este ano vão declarar zero quilos de produção», alerta o dirigente, lembrando que a Beira Serra regista quebras de produção há dois anos consecutivos e que esta campanha será a pior desde 2016, data da última produção normal, quando entraram 4,2 milhões de quilos de uvas.
«No ano passado houve a geada e tivemos menos cerca de 1,7 milhões de quilos e este ano a produção baixa novamente. Se tivermos 2 milhões de quilos de uvas ficaremos felizes», acrescenta o responsável, duvidando que esse objetivo seja conseguido. «Em 2017 produzimos 1,6 milhões de litros e este ano pode haver ainda menos vinho», avisa o dirigente, que receia que esta situação contribua ainda mais para o abandono da vinha. «Todos os anos temos sócios que deixam de produzir uvas e que se demitem da cooperativa porque já têm uma certa idade, não há incentivos e falta gente para trabalhar», indica João Guerra. Na sua opinião, é necessária mão-de-obra «com alguma qualidade» e que os produtos sejam valorizados tal como os produzidos nas grandes empresas: «Os nossos políticos deviam ajudar-nos a produzir mais. Em vez de gastarem tanto dinheiro para lançar água sobre os fogos, se calhar deviam dar dinheiro para plantarmos mais vinhas e outras produções, mais apoios que permitissem às famílias fixarem-se cá», reclama.
Criada em 1956, a Cooperativa Beira Serra faz engarrafamento há 30 anos e conta atualmente com mais 800 associados nos concelhos de Trancoso, Mêda, Celorico da Beira, Gouveia, Guarda e Pinhel. Desses, pouco mais de 500 entregas as suas uvas. Comercializa sete marcas de tinto, branco, rosé, frisante e espumante, tendo como “ex-libris” os premiados Boa Pergunta, Óptima Pergunta – o topo de gama da Beira Serra –, bem como o Fora de Jogo e o espumante Sou do Alto. Recentemente, a Adega lançou o vinho Portas d’El Rei, uma marca vocacionada para permitir uma candidatura de Trancoso a sócio da Associação das Cidades Europeias Produtoras de Vinho. «É uma ideia importante porque há um intercâmbio muito grande entre estas cidades em termos de mostras e de atividades», justifica João Guerra.
Mais qualidade, menos granel
A cooperativa de Vila Franca das Naves ainda continua a vender vinho a granel, «mas cada vez menos» porque tem apostado na qualidade graças a uma consultoria de enologia e à melhoria da vinificação. «Temos feito alguns investimentos, limitados porque não podemos por o projeto da Adega em risco, para obter mais qualidade no produto acabado e os resultados veem-se nos concursos em que participamos», considera o também produtor, que destaca ainda a melhoria dos rótulos nas garrafas. «Não temos escala em termos de produção, pelo que só nos podemos diferenciar pela qualidade e este tem sido um dos nossos principais objetivos e que procuramos transmitir aos sócios para que, apesar de termos cada vez menos produção, mais valor fique por cá», justifica.
O dirigente não tem dúvidas que os vinhos da Beira Serra, por estarem em altitude, são diferentes dos outros e primam pela sua qualidade. «Só é pena que os habitantes desta região não acordem mais cedo para esta realidade e optem por comprar um vinho de cá porque estão a ajudar quem é região», lamenta João Guerra. Um sentimento partilhado por Joaquim Gamboa, segundo o qual o principal mercado da Adega é o nacional, que «está muito por explorar», considera o secretário da direção. «Vendemos bem do Mondego para cima, mas também em Lisboa e no Porto e estamos a entrar timidamente no Algarve. Já as exportações são sobretudo para o mercado europeu», revela o responsável.
Joaquim Gamboa considera que o que faz falta é um projeto nacional de valorização dos produtos agrícolas diferenciados aqui produzidos, como é o caso do vinho. «Há muitos anos o Ministério da Agricultura ajudou o Alentejo a ser o que é hoje, agora é preciso ajudar a Beira Interior», defende, lamentando que os políticos e o Governo não estejam para aqui virados. E exemplifica: «Precisamos de um caminho-de-ferro a funcionar, que também nos ajuda a exportar o vinho e traz pessoas para o provar. Mas não vêm porque o comboio não chega a horas e gastam um dinheirão. O mesmo acontece com as portagens, esse é o problema da Beira Interior», critica.
Folclore na Adega
As instalações da cooperativa de Vila Franca das Naves acolheram no fim de semana o IVº Festival de Folclore e Festa das Vindimas.
A iniciativa contou com animação musical, um colóquio, gastronomia, um mercado à moda antiga e um festival de folclore com os Ranchos de Vila Franca das Naves, Vila Nova de Foz Côa, Mêda e Figueiró da Granja. Segundo João Guerra, o objetivo desta atividade, coorganizada com o Rancho Folclórico local e autarquia, é proporcionar à população «alguma atividade cultural, disponibilizando as nossas instalações, aproximando mais a cooperativa das pessoas e principalmente daqueles que vivem ainda da produção do vinho nesta região». É também uma das formas que a direção encontrou para «enviar uma mensagem à comunidade de que a cooperativa é viável, assim as pessoas acreditem no projeto, colaborem e se juntem a nós», acrescenta o dirigente.
Luis Martins